Título: Valério ligou 129 vezes para João Paulo
Autor: Christiane Samarco
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/11/2005, Nacional, p. A19

Telefonemas, descobertos pelas CPIs, foram feitos em menos de 5 meses

Os técnicos das CPIs dos Correios e do Mensalão estão surpresos com a freqüência dos contatos entre o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) e o esquema de Marcos Valério Fernandes de Souza. Encarregados de analisar os documentos sigilosos em poder das duas CPIs, eles identificaram exatos 129 telefonemas feitos para João Paulo no espaço inferior a 5 meses, o que aponta para a ocorrência de contatos diários ao menos durante o primeiro semestre de 2003. Os documentos mostram que o número de celular usado para contatar o tesoureiro do PL, Jacinto Lamas, em todas as datas em que a empresa SMPB de Valério repassou recursos ao partido, foi o mesmo que ligou 53 vezes para o celular pessoal de João Paulo à época. Isto sem falar em outras 76 ligações para sua secretária particular, Silvana Japiaçu.

Procurado ontem pelo Estado, por meio de sua assessoria, João Paulo não quis comentar o assunto. Ele responde a um processo por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética da Câmara, depois que foi comprovado um saque de R$ 50 mil das contas de Valério feito por sua mulher, Márcia Regina, em 4 de setembro, no banco Rural em Brasília.

A descoberta dos telefonemas pela CPI foi casual. Aconteceu em meio às investigações do "semanão" pago ao PL pelo esquema de Valério, a partir do cruzamento de dados da movimentação bancária e da quebra do sigilo telefônico do publicitário e de suas empresas, de janeiro a setembro de 2003. As ligações feitas para o celular de João Paulo ocorreram entre janeiro e março de 2003, período que inclui sua campanha à presidência da Câmara e o início do mandato.

Mesmo sem adversário e tendo largado sozinho na corrida sucessória da Câmara, João Paulo fez campanha em Brasília e em vários Estados, como Minas, São Paulo e Pernambuco. Tudo preparado pela empresa MultiAction de Valério, a um custo de R$ 150 mil, que teriam sido pagos pelo PT, em três prestações.

João Paulo foi empossado presidente em 15 de fevereiro de 2003 e, a partir de março, o celular mineiro que Valério pôs a serviço exclusivo do esquema naquele ano deixou de ligar para o número pessoal do deputado. As chamadas passaram a ser feitas para o telefone fixo da Câmara que ficava sobre a mesa de sua secretária Silvana, no gabinete da presidência.

Como o período da pesquisa dos dados de sigilo telefônico com o objetivo de investigar o mensalão pago ao PL termina em setembro, as informações sobre a freqüência dos contatos telefônicos de Marcos Valério com João Paulo param aí. Mas eles sabem que só em outubro de 2003 o presidente da Câmara assinou um contrato de publicidade com a SMPB no valor de R$ 10 milhões.

Este mesmo contrato foi renovado por mais duas vezes e ainda sobreviveu à sucessão do petista. Depois de tomar posse em fevereiro deste ano, o então presidente Severino Cavalcanti (PP-PE) assinou um aditivo no valor de R$ 8,5 milhões que, em meio às denúncias do mensalão, acabou cancelado.