Título: FHC diz que diferença com petistas 'é sobre democracia'
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/11/2005, Nacional, p. A7

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou ontem que sua discordância original com o PT não foi sobre posicionamento quanto ao mercado. "Quanto a isso, nós vimos que o PT aderiu, com imensa alegria, às teses de mercado", ironizou. "A minha discordância básica sempre foi com a postura do PT perante a democracia", assinalou ele, lembrando que a plena aceitação das regras da democracia pressupõe aceitar a existência e as diferenças "do outro". FHC disse não temer mudança da política econômica e que Lula não terá alternativa senão "marombar".

Informado pelo Estado das críticas feitas pelo site do PT, FHC reagiu: "Eles vão ter de falar mais ainda, porque eu não vou parar de falar." E acrescentou que a CPI do Sivam já foi feita. "Essas coisas são velhas. Não colam mais."

Quando o Executivo não é capaz de inovar, o sistema não funciona.

Para funcionar, precisa ter respostas que respondam a demandas da sociedade.

Quando a aliança não tem propósito, vira barganha mesmo. E aí acontece uma degradação de todo o sistema. Estamos num momento desses. Porque não tem mais coalizão para nada. O que sustenta, qual o cimento? O cimento não pode ser somente nomeações ou compra.

Descrença no sistema todo.

O que o presidente Lula provavelmente fará é que terá de arbitrar e tem de jogar com forças contraditórias.

Ele sabe, sente que não pode romper com certo equilíbrio que está aí e é representado pelo ministro da Fazenda, e sabe que há pressões para mais flexibilidade. O sistema pode se romper não por ele, mas por fora, por pressão do partido. Se houver isso, não tem jeito. Talvez ele não tenha consciência, mas não há, a essa altura do jogo, uma alternativa. Indo para o quarto ano de governo, vai mudar a política econômica? Não pode. Vai suavizar ou, como diz o outro, vai marombar.

A sociedade tem uma tremenda culpa pela desigualdade e dá um espaço muito grande àqueles que supostamente simbolizam isso.

Se eu tivesse feito a quinta parte do que foi feito até agora, estaria no chão.

A crise vem do sistema político que está paralisando.

Isso pode ser algo crescente, que pode levar a uma situação de dificuldade.

A definição do PSDB como adversário foi do PT. Depois da transição, eu esperava o contrário e eles vieram falar em 'herança maldita'.

E foi por causa do desamor à democracia do PT, pela desconfiança no outro e pela confiança ilimitada em si mesmo.

Nesses momentos de dificuldade, é preciso sair dessa armadilha, que é ideológica - a idéia de aceitar o outro, chamar o outro e dizer 'vamos negociar, qual é o caminho?'

Se não negociar, não vai ganhar tudo. E a idéia de ganhar tudo continua firme. Isso é perigoso, porque pode levar a uma separação muito nítida - o Brasil levou muito tempo dividido entre Getúlio e anti-Getúlio.

A posição um tanto cordata do PSDb tem um sentido - se apertar muito, divide. E divide a alma. E não vai funcionar a democracia, porque fica difícil aceitar a alternância futura.

Se continuar assim, que campanha eleitoral vamos ter?

As afirmações foram feitas durante debate propício. Após de muitos anos, lideranças expressivas do PSDB e do PT se sentaram à mesa para debater questões nacionais. Ontem, no Instituto Fernando Henrique Cardoso (IFHC), o ex-presidente e o cientista político Bolívia Lamounier debateram a democracia representativa com o deputado petista Paulo Delgado (MG), muito aplaudido pela platéia tucana, que reunia oito ex-ministros do governo passado.

Delgado admitiu que o PT sempre teve desconfiança da intermediação política e dificuldades para aceitar as alianças políticas, preferindo fazer um discurso direto para a massa e ganhar primeiro para depois formular e construir suas alianças. "O presidente da coalizão acabou se transformando no presidente da cooptação."

Fernando Henrique disse que os partidos não se definem por seus princípios ideológicos e, tão logo termina a eleição, se distribuem como se fossem frentes voltadas a fazer lobbies. "Os partidos se misturam e os grupos formam frentes que vão defender interesses", opinou.

A preocupação maior do ex-presidente, neste momento, é o que considera a falta de uma agenda definida do governo Lula junto ao Congresso. Para ele, o governo deixou de demandar o Congresso há algum tempo e o Parlamento está funcionando segundo uma agenda deixada por ele há três anos. "Quando o Executivo é incapaz de inovar, o sistema pára de funcionar."

Ele afirmou que não condena as tentativas do governo Lula de montar uma maioria parlamentar no Congresso: "Tem de ceder cargos no Executivo. Sempre foi assim em todos os países. Mas tem de cuidar da qualidade dos nomeados."

Segundo FHC, outro problema grave é que o governo não conseguiu montar as alianças em cima de propostas e programas. "Quando a aliança não tem proposta, vira uma barganha."

FHC sentenciou com gravidade: "Isso me preocupa muito. Pode não dar certo." E acrescentou: "Se houver essa perda, quem perde é a democracia."