Título: Kirchner visita Chávez para fazer negócios
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/11/2005, Internacional, p. A18

Os presidentes da Argentina e da Venezuela, Néstor Kirchner e Hugo Chávez, deram início ontem ao que já começa a ser chamado de "eixo Buenos Aires-Caracas" - pelo qual pretendem constituir não só uma aliança comercial, mas também política entre os dois países. Reunidos em Puerto Ordaz, no leste da Venezuela, Kirchner e Chávez analisaram a entrada imediata do país no Mercosul. Discutiram ainda a venda de um reator nuclear por parte da Argentina - que Chávez instalaria na região do Rio Orinoco para aumentar a potência das refinarias de petróleo - e a exportação de máquinas agrícolas, com as quais o venezuelano quer implementar seu ambicioso plano de reforma agrária. Durante o encontro, também analisaram a construção de um megaoleoduto que ligaria a Venezuela com o Brasil, Argentina e Uruguai. A obra ajudaria a Argentina a driblar a crise energética que, segundo os especialistas, tende a agravar-se ao longo dos próximos anos.

Além disso, discutiram sobre a compra, por parte da Venezuela, de mais bônus públicos argentinos, como forma de salvar o governo Kirchner de apertos financeiros no ano que vem. Só este ano, Chávez adquiriu US$ 950 milhões em títulos argentinos, dos quais tornou-se um enfático garoto-propaganda. Para enfrentar parte dos pesados vencimentos da dívida que possui com o Fundo Monetário Internacional (FMI), Kirchner discutiu com Chávez a compra, por parte da Venezuela, de outros US$ 300 milhões em bônus. Chávez, com seus petrodólares e a "petrodiplomacia", é encarado pelo governo Kirchner como um eficaz salva-vidas para as situações de aperto econômico.

O encontro entre os dois presidentes também teve um forte viés político, já que ocorreu em meio a uma nova escalada do confronto de Chávez com o governo dos EUA. Na sexta-feira, o presidente venezuelano disse que seu colega americano, George W. Bush, era um "assassino, genocida e louco". Chávez também disse que armaria a população venezuelana com fuzis russos - já encomendados - para resistir à uma eventual invasão americana.

A viagem de Kirchner à Venezuela foi criticada pelos líderes da oposição em Buenos Aires, que consideram a aproximação com Chávez prejudicial às relações argentinas com os EUA. Mas o governo Kirchner não se mostra preocupado com isso. "Nosso governo se caracteriza por fatos concretos. Assina e faz acordos com quem lhe convier, sem olhar na relação que esse país tem com o restante do mundo", afirmou ontem na Venezuela o ministro do Planejamento Federal, Julio De Vido, homem de extrema confiança de Kirchner há duas décadas.

Motivos existem de sobra, já que os vínculos comerciais entre a Argentina e a Venezuela cresceram de forma sem precedentes desde a posse de Kirchner, em maio de 2003. De lá para cá, o intercâmbio comercial com a Venezuela, que era de US$ 186 milhões (equivalente ao de um país de pouca importância para a Argentina, como a Indonésia) saltou para US$ 1 bilhão.

Enquanto Kirchner está de olho nas exportações para a Venezuela e na venda de títulos públicos, o interesse de Chávez é de caráter político. "Nosso destino é um mercado comum do sul, e isso é anti-Alca (Área de Livre Comércio das Américas)", declarou Chávez.

Os analistas sustentam que Kirchner é o único aliado de confiança que Chávez tem na região. Segundo colunistas políticos, a Argentina, depois da própria Venezuela, é o país mais "chavista" da América do Sul. Além disso, Chávez precisa mostrar a formação de um eixo sul-americano que se anteponha à idéia americana da Alca, como forma de reforçar sua posição política interna, já que enfrentará eleições parlamentares no dia 4.

Chávez espera que na reunião do Mercosul que será realizada entre os dias 6 e 9 em Montevidéu, no Uruguai, a Venezuela seja declarada membro político pleno do bloco. A integração comercial, mais complexa, se daria gradualmente ao longo dos próximos anos.

"Já podemos dizer que somos membros plenos do Mercosul", disse Chávez na entrevista coletiva que se seguiu à reunião, lembrando que os quatro países fundadores do bloco se comprometeram com a incorporação da Venezuela.