Título: Papa tira autonomia de franciscanos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/11/2005, Vida&, p. A21

O papa Bento XVI acaba de pôr um ponto final nas quase quatro décadas de independência dos frades franciscanos da cidade de Assis, na região central da Itália. No sábado, o Vaticano tornou público um decreto que submete os religiosos à autoridade do bispo local e da Conferência Episcopal da Itália. A ordem dos franciscanos foi fundada no século 13 por São Francisco de Assis. São esses religiosos que até hoje guardam o corpo do santo. A cidade de Assis, com as basílicas de São Francisco e de Santa Maria dos Anjos, é um dos mais importantes centros católicos de peregrinação do mundo.

Desde o final dos anos 60, por decisão do papa de então, Paulo VI, os franciscanos das duas basílicas gozavam de total independência jurídica em relação à Igreja italiana.

Com tamanha liberdade, acabaram sendo vistos como exageradamente esquerdistas e progressistas por muitos católicos. Os frades já receberam figuras polêmicas, como o falecido líder palestino Yasser Arafat e o iraquiano Tariq Aziz, que foi vice-primeiro-ministro de Saddam Hussein. Todos os anos, na época da Páscoa, os franciscanos realizam em Assis uma marcha internacional pela paz, que é freqüentada por líderes da esquerda e boicotada por políticos do centro e da direita.

Agora, sob o argumento de que é preciso haver uma "maior colaboração" entre os frades e a diocese, qualquer evento que pretendam realizar precisa ter a autorização do bispo e da Conferência Episcopal.

Analistas acreditam que o decreto divulgado no fim de semana, que anula a decisão papal dos anos 60, seja um acerto de contas de Bento XVI. Segundo o escritor italiano católico Vittorio Messori, os problemas do então cardeal Joseph Ratzinger com os franciscanos teve seu ápice em outubro de 1986, quando foi realizado o primeiro encontro de líderes religiosos em Assis. Na ocasião, os franciscanos permitiram que animistas africanos sacrificassem galinhas no altar da igreja de Santa Clara e que índios americanos dançassem no templo. "Foi nessa época que Ratzinger percebeu que não era possível que se mantivesse o enclave franciscano fora do controle jurídico da Igreja. Ele nunca perdoou a comunidade franciscana por esses excessos", explicou Messori.

Para a ex-ministra comunista italiana Livia Turco, a medida deixa o diálogo inter-religioso em perigo. "Privados de autonomia e submetidos à autoridade da Conferência Episcopal, ficaram com as mãos atadas. Não podem mais ser ponte entre a Igreja e a sociedade", afirmou ela.

Para o padre Vitaliano della Sala, líder dos católicos antiglobalização, o decreto do Vaticano revela uma falta de democracia interna. Para ele, a medida desorienta aqueles que têm Assis como "ponto de referência nas batalhas pacifistas".

Os franciscanos agora evitam entrar em choque com o Vaticano. Vicenzo Coki, responsável pela Basílica de São Francisco, disse ontem que os religiosos não saíram "do rumo" e que o espírito de Assis inclui "confronto e abertura ao diálogo". Os frades da Basílica de Santa Maria dos Anjos se limitaram a dizer que uma maior relação com a diocese é positiva.