Título: Belo Monte testa a aliança com a China
Autor: Larry Rohter
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/11/2005, Economia & Negócios, p. B6

Na grande curva do imponente Rio Xingu, o governo brasileiro se esforça para construir uma usina hidrelétrica que poderá ser a segunda maior do mundo, produzindo quantidades enormes de energia elétrica. Mas os principais beneficiários do projeto provavelmente não serão os índios ou outros moradores da área, mas um governo do outro lado do mundo, na China. Para saciar o apetite de uma base industrial em rápido crescimento, estatais chinesas começaram a se envolver em projetos de mineração no leste da Amazônia, como alumínio, níquel e cobre. O processamento de cada um desses materiais requer grandes quantidades de eletricidade e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, disposto a formar o que chama de "aliança estratégica" com a China, está ansioso para desempenhar essa tarefa.

Enquanto isso, os moradores das margens do rio, cujas vidas serão prejudicadas pela usina, prevêem grandes danos ambientais e o encorajamento de um influxo de colonizadores pobres em busca de empregos que não existirão. Eles também reclamam que não receberão a energia que pedem ao governo há tempos e serão forçados a se mudar.

"Se essa coisa for construída, que Deus nos ajude", disse José Carlos Arara, líder de um assentamento indígena perto do rio. "Os chineses estão lá longe, mas nós estamos bem aqui, às portas da usina, sem água, sem cuidados médicos e sem eletricidade. E, em vez de nos ajudar, nosso governo quer tornar as coisas piores. Se depender de nós, essa usina nunca será construída", disse ele.

Funcionários em Brasília, no entanto, prometem que o projeto, chamado de Belo Monte, em referência ao local da construção, controlará o fluxo do rio para reduzir ao mínimo o impacto sobre as nove tribos que vivem na área. Eles afirmam ainda que, como o Brasil não pode deixar de construir a usina, pagarão o preço que for necessário para aplacar os céticos.

"É uma obra pública importante para um país como o nosso, que precisa aproveitar melhor seu potencial energético", disse Márcio Zimmerman, secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, em entrevista por telefone. "O Norte é uma região em processo de industrialização e desenvolvimento e a energia hidrelétrica é uma fonte de longo prazo de eletricidade barata e renovável."

Na forma original, o projeto de Belo Monte data dos anos 70, quando foi apresentado como uma solução para a prevista escassez de energia no sul industrializado do Brasil. Mas grupos de ambientalistas, defensores dos direitos humanos e indígenas se opuseram ao plano desde o início, graças, em parte, a seus enormes custos eventuais, de bilhões de dólares.

Os grupos lutaram nos tribunais e no Congresso e, na época em que o governo anterior encerrou o mandato, em 2002, uma decisão judicial parecia ter arquivado Belo Monte definitivamente. Mas Lula e seu esquerdista Partido dos Trabalhadores (PT) chegaram ao poder prometendo uma bateria de iniciativas sociais, entre elas o programa "Luz para Todos", destinado a levar eletricidade a áreas rurais pobres e remotas, como essa.

Percebendo uma oportunidade, os defensores de Belo Monte ressuscitaram o projeto e convenceram Lula a transformá-lo em prioridade. "Houve desleixo em não se construir hidrelétricas" no governo anterior, disse Lula, recentemente. "Com os projetos que estão em andamento, podemos garantir permanentemente" o fornecimento de energia aos consumidores "por cinco, seis ou até dez anos à frente."

OUTROS PLANOS

Mas o Brasil, em parceria com a China, também está comprometido com grandes projetos industriais na Amazônia que consumirão enormes quantidades de eletricidade e empregarão relativamente poucas pessoas. Entre eles está um par de grandes usinas de processamento de bauxita, a matéria-prima do alumínio, perto de Belém, capital do Estado do Pará, no leste da Amazônia.

Uma companhia chinesa planeja construir uma usina siderúrgica em São Luís, no Estado do Maranhão, extremo leste da Amazônia, como parte de um empreendimento com uma empresa brasileira. Num projeto separado, uma companhia brasileira já está construindo outra siderúrgica perto de Belém para atender à demanda prevista dos mercados da China e dos Estados Unidos.

O minério de ferro para esses projetos vem de Carajás, que fica ao sul e tem as maiores reservas do mundo. Extrai-se cobre da área para abastecer a China e outros mercados. E está sendo discutida a construção de uma usina de fundição de cobre nas proximidades.

"Tudo na Amazônia que consome muita eletricidade tem um grande componente chinês e está recebendo apoio oficial, embora o maior beneficiário vá ser claramente a China e não o Brasil", disse Lúcio Flávio Pinto, autor do livro Hidrelétricos na Amazônia. "Os chineses não só vão investir uma quantia mínima, como vão transferir para a Amazônia os problemas de poluição resultantes."

POLUIÇÃO

O governo Lula, envolvido num escândalo de corrupção que ameaça as chances de reeleição do presidente no ano que vem, está tão ansioso para construir a usina hidrelétrica que, em julho, convenceu o Congresso a autorizar o projeto, ignorando um requerimento de discussão com as comunidades que seriam afetadas. Oponentes contestam essa ação nos tribunais.

"Embora a Constituição brasileira diga que devemos ser consultados, ninguém veio falar conosco", disse Manuel Juruna, líder da principal comunidade da área. "Queremos que eles saibam que, para todos os povos indígenas do Xingu, este projeto só pode destruir nosso meio de vida tradicional ao afugentar os peixes, secar nossas áreas de caça e não trazer nada além de miséria e sofrimento."

No sul industrializado do Brasil, menciona-se pouco a ligação da usina com a estratégia mais ampla de Lula de fortalecimento dos laços econômicos e políticos com a China. Essa política é cada vez mais criticada, especialmente em São Paulo, a capital econômica do Brasil, com o argumento de que os interesses nacionais do País estão sendo sacrificados.