Título: Lula dribla campo minado na cúpula
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/11/2005, Nacional, p. A9

Com a liderança desgastada e dividido entre Venezuela e EUA, presidente passa apenas 24 horas na Argentina

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou ontem em Mar del Plata com a intenção de ter discreta participação na 4.ª Cúpula das Américas. A reunião converteu-se em terreno minado, com o Brasil no meio das trincheiras de dois aliados, a Venezuela e os Estados Unidos. Além disso, a liderança de Lula na América do Sul está desgastada pelos escândalos que corroem seu governo e pela presença de seu companheiro Hugo Chávez, da Venezuela, na região. Lula não foi o último chefe de Estado a desembarcar em Mar del Plata, mas a chancelaria argentina confirmou que ele será o primeiro a deixar o balneário, antes do término da cúpula. Embarcará hoje, às 13h30 (14h30, hora de Brasília). A desculpa foi a necessidade de chegar em Brasília para receber, na Base Aérea, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Lula passará exatas 24 horas na Argentina - período no qual não manterá nenhum encontro reservado com o anfitrião, o presidente Néstor Kirchner.

Não houve contato de Lula com a imprensa brasileira até o fechamento desta edição. Mas o presidente, demonstrando despojamento, decidiu caminhar os cerca de 200 metros entre o Hotel Hermitage, onde houve a abertura da cúpula, e o Auditório Cidade de Mar del Plata, para apresentação de espetáculo folclórico.

Na agenda de Lula, apenas três encontros bilaterais foram marcados. Ontem, com o presidente do México, Vicente Fox, que pediu seu apoio para que o país possa atuar como observador no Mercosul. Hoje, com o presidente equatoriano, Alfredo Palácio, e com o primeiro-ministro do Canadá, Paul Martin. O encontro com líderes da Organização Regional Interamericana de Trabalhadores - seu único contato com a Cúpula dos Povos, ou contracúpula, que acontece em paralelo - não foi confirmado.

Lula falaria nas três sessões de trabalho, todas focadas na geração de trabalho decente e nos seus efeitos sobre a redução da pobreza e na governabilidade democrática. Porém, tenderia a desviar dos temas explosivos, como os debates sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Para tal, deixou ontem o chanceler, Celso Amorim, à vontade para dar os recados de seu governo. Os negociadores brasileiros continuavam a defender as teses oficiais nas discussões travadas em paralelo à abertura da cúpula. Dessa forma, Lula não só desvencilhou-se de possíveis desgastes com seus colegas presidentes, especialmente com seu convidado de amanhã, Bush. Também evitou possíveis problemas com os manifestantes, comandados pelo ex-craque Maradona, que gritavam jargões contra essas negociações e o imperialismo americano.