Título: Fox propõe Alca sem Mercosul e irrita Brasil
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/11/2005, Nacional, p. A8

Chanceler Celso Amorim reage a presidente mexicano e diz que governo brasileiro não quer antecipar acordo nem enterrar área de livre comércio, como defende Chávez

A discussão sobre a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que dominou a abertura da 4.ª Cúpula das Américas, em Mar del Plata, esquentou logo de manhã, ontem, com uma provocação do presidente mexicano, Vicente Fox, e uma réplica brasileira, dada em entrevista pelo chanceler Celso Amorim. Fox afirmou, primeiro, que a Alca poderia muito bem ir em frente, já que estavam de acordo sobre ela 29 dos 34 países. "Entendo que há quase 30 países de acordo a respeito dessa linha", disse Fox, "e basicamente quatro ou cinco países que não estão de acordo" - no caso, Brasil, Venezuela, Argentina, Uruguai e também o Paraguai. Amorim não suavizou, na resposta: "Se outros países querem fazer acordos de livre comércio entre si, o problema é deles". A prioridade, para o Brasil - continuou o chanceler - , está na negociação da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), e não na Alca. O Brasil não quer "enterrar" nem "ressuscitar" o projeto da Alca, avisou. Não vai aderir à campanha do presidente Hugo Chávez nem endossar a proposta do México de retomar as negociações em abril.

"Se perseguíssemos o 4+1 (proposta de acordo sobre acesso a mercados entre o Mercosul e os Estados Unidos, no âmbito da Alca, à qual Washington nunca respondeu), teríamos mais condições de construir a Alca", completou.

O chanceler brasileiro desembarcou ontem na comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em um momento crítico das negociações sobre a declaração final da Cúpula das Américas. O imbróglio está justamente na forma de mencionar a Alca no texto final. De um lado, os Estados Unidos, o México, o Canadá e outros 25 países querem o claro compromisso. De outro, a Venezuela pretende "enterrar" a Alca e colocar em seu lugar a Alternativa Bolivariana das Américas (Alba), projeto formulado em parceria com Cuba e que excluiria os Estados Unidos. O Mercosul apresentou proposta que, na prática, coloca uma pá de cal na Alca.

"É preciso desdramatizar essa questão. Não temos alergia à Alca, mas não seremos movidos por um voluntarismo desprovido de senso prático", afirmou Amorim. "Como disse o presidente Bush, a Alca empacou porque alguns de seus elementos essenciais dependem da OMC", comentou, referindo-se à entrevista que o presidente americano deu ao Estado na última quarta-feira.

Amorim, entretanto, desconversou ao ser questionado sobre esse teor destrutivo à Alca presente na proposta do Mercosul e sobre a alta possibilidade de o encontro de Mar del Plata terminar em fracasso e tornar inviável uma quinta versão da Cúpula das Américas. Destacou, porém, que o Brasil formulou a proposta conjuntamente com a Argentina, a quem delegou a defesa de seu conteúdo nesta reunião, e reiterou que "há excessiva ideologização" nos debates de Mar del Plata.

DESGASTE

Ao chamar a atenção para a necessidade de mais pragmatismo, Amorim repudiou a proposta de fixar uma data para a reunião da Alca na qual seriam retomadas as negociações. "Vamos ser realistas: o papel aceita qualquer coisa. Pode-se marcar uma data e depois adiar o encontro. Isso só é fonte de desgaste", insistiu. O chanceler também indicou que, na prática, está ciente de que a Alca avança em seu segundo plano, conforme a fórmula na conferência ministerial de Miami, em 2003.

Esse segundo plano prevê acordos bilaterais sobre os temas de interesse dos países envolvidos, sob o amparo legal da Alca, mas que contariam com compromissos e direitos mais profundos. No primeiro plano estaria um acordo geral sobre os nove temas entre os 34 países, com termos mais brandos. A rigor, é o primeiro plano que está empacado. Para os EUA, falta começar as negociações com o Mercosul e a Venezuela para alcançar a liberalização do seu comércio no continente.