Título: Chávez promete 'parir' socialismo do século 21
Autor: Paulo Sotero, Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/11/2005, Nacional, p. A4

Presidente da Venezuela, ao lado de Maradona, ataca Estados Unidos em discurso para 40 mil pessoas

"Cada um de nós trouxe uma pá, uma pá de coveiro, para enterrar a Alca!", bradou, enfático, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, perante 40 mil pessoas que lotavam o estádio Mundialito, num bairro deste balneário argentino, tendo a seu lado o veterano craque Diego Armando Maradona. De forma paralela - e antagônica - à reunião de presidentes, mais de 500 ONGs do continente realizaram a 3.ª Cúpula dos Povos, cujas atividades foram encerradas ontem com um discurso de duas horas e meia de Chávez, precedido por um show musical.

Além da função de "coveiro", Chávez definiu-se como "parteiro" da Alternativa Bolivariana da América (Alba), mecanismo de integração econômica imaginado por ele. "Vamos parir esse novo modelo de socialismo. Socialismo ou barbárie, socialismo ou morte!", expressou Chávez, durante seu longo monólogo.

O mais sutil dos inúmeros bordões cantados pela multidão que lotou o estádio, em sua maioria vestidos com camisetas onde Bush era satirizado como Hitler, foi o grito "Vá embora, hiena do norte!"

Numa áspera figura de retórica, Chávez disse que o presidente Bush "está acabando" com o planeta Terra. "Dessa forma, a Humanidade terá que ir embora daqui, mas o planeta mais próximo, Marte, não tem vida. Parece que milênios atrás houve vida, mas acho que aí foram a Marte o FMI, o Banco Mundial e o consenso de Washington e acabaram com a vida ali...".

Com sarcasmo, Chávez recomendou que "não é bom estar muito perto das políticas" do governo americano: "Não se aproximem desse 'mister', do Bush, porque ele é pavoso" (expressão venezuelana para "pé frio").

Bem a seu estilo, Chávez bravateou: "A Alca, onde está? Não estava prevista para 1.º de janeiro de 2005? Lá vem o 1.º de janeiro de 2006, e a Alca, cadê? Rá-rá!..A Alca foi derrotada pelos povos do continente, e aqui em Mar del Plata foi enterrada. E o próximo a ser enterrado é o capitalismo. Mas isso vai levar mais tempo...", frisou.

ADIÓS, MUCHACHOS

Depois de cantarolar um trecho do tango Adiós, muchachos e citar ao longo do discurso frases do filósofo e lingüista Noam Chomsky e do imperador Napoleão Bonaparte, Chávez desferiu duras profecias sobre Bush e seus aliados: "Os pupilos de Bush na América Latina estão caindo um a um, tal como aconteceu com o boliviano Sánchez de Losada. São presidentes entreguistas, vendidos ao imperialismo", afirmou.

Chávez, que tem alardeado uma hipotética invasão americana da Venezuela, desafiou Bush: "Somos capazes de derrotar mil impérios! Esse império (os EUA) quer deter a revolução bolivariana, da mesma forma que tentou fazer com a cubana. Mas, se o imperialismo, se os EUA invadissem a Venezuela, começaria a guerra dos cem anos! A pátria será livre ou a bandeira tremulará sobre as ruínas... Jamais seremos colônia americana!"

Maradona, que nos últimos tempos converteu-se a uma furiosa militância anti-Bush, esteve ao lado de Chávez e limitou-se a bradar uma frase: "A Argentina é digna. Expulsemos Bush do país". Embora tenha sido fator de atração para boa parte da multidão que foi ao estádio, sua presença provocou ciumeiras em ONGs que queriam protagonizar à presença da mídia mundial.

O presidente do México, Vicente Fox, incomodou-se com Chávez e Maradona. "Ele está fazendo muito barulho", disse, afirmando que Maradona participa das manifestações "para aparecer": "Não sei porque logo ele, que é tão bom no futebol, quer se meter na política". Em alerta aos quatro países do Mercosul e à Venezuela, o presidente mexicano afirmou que a ALCA poderia ser feita por 29 dos 34 países da OEA.