Título: Protesto contra Bush transforma Mar del Plata em praça de guerra
Autor: Paulo Sotero, Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/11/2005, Nacional, p. A4

Exército de manifestantes sai às ruas e entra em confronto com a polícia; líderes não se entendem sobre a Alca

O início da 4.ª Cúpula das Américas, no final da tarde de ontem, no hotel Hermitage, coincidiu com uma explosão de protestos nas ruas de Mar del Plata contra a presença do presidente dos EUA, George W. Bush. Os protestos acentuaram o clima desfavorável criado pelas expressivas divergências entre os 34 líderes eleitos do continente sobre a continuidade do processo de integração política e econômica do continente, lançado em dezembro de 1995, em Miami. O impasse tinha várias faces. A declaração política final do encontro ainda está inconclusa por causa de discordâncias sobre como mencionar o congelado projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) no texto. Até ontem, nenhum país tinha reivindicado o patrocínio do próximo encontro.

No fim do dia, os chefes de governos enfrentavam, num ambiente de evidente tensão, a real possibilidade de serem protagonistas não apenas do fracasso da reunião, mas do próprio colapso do processo de cúpulas. Para complicar, sérias disputas envolvendo questões de fronteira entre Chile e Peru, por um lado, e Uruguai e Argentina, por outro, carregavam ainda mais o ambiente.

SENHA

Os manifestantes passaram parte do dia ouvindo o longo discurso do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e seus parceiros na oposição ao processo de integração pregado por Washington. Quando o presidente argentino, Néstor Kirchner, iniciava o seu discurso carregado de críticas aos EUA (leia na página 5), eles investiram - como se obedecessem a uma senha - contra a primeira das três barreiras que protegem o perímetro de segurança da cúpula.

Repelidos pelo gás lacrimogêneo da polícia, os manifestantes recuaram. Mas logo voltaram à carga em maior número e os protestos se propagaram rapidamente. Ao cair da tarde, quando os líderes assistiam a um exibição de tango, vários estabelecimentos comerciais haviam sido depredados e a região central de Mar de Plata se transformara numa praça de guerra.

Os confrontos começaram a dez quarteirões do local da cúpula. Os manifestantes começaram jogando pedras na polícia, que revidou com gás lacrimogêneo. A multidão jogou mais pedras e devolvia as bombas de gás na direção dos policiais. No início da noite, grupos mais radicais prometiam que antes do amanhecer fariam a polícia recuar e queimariam um boneco do presidente Bush na calçada do próprio Hermitage.

RADICAIS

A intervenção dos bombeiros salvou uma agência do Banco Galicia, perto da esquina das Avenidas Colón e Corrientes, de ser queimada pelos manifestantes, que jogaram coquetéis molotov contra ela. Segundo o prefeito da cidade, Daniel Katz, os atos de violência foram iniciados por militantes dos movimentos radicais argentinos Quebracho e Partido Operário.

À noite, enquanto os chefes de governo participavam do jantar inaugural no Cassino Central de Mar del Plata, manifestantes guardavam, na Avenida Independencia, uma das principais da cidade, uma barricada armada com destroços retirados de lojas saqueadas.

Além de Mar del Plata, também em Buenos Aires ocorreram protestos contra Bush, a Alca e o FMI. Na capital, grupos de piqueteiros (desempregados que fazem piquetes nas estradas para exigir comida e dinheiro) vinculados ao Movimento Independente de Desempregados e Aposentados - um dos mais combativos - tentaram invadir a Embaixada dos EUA, no bairro de Palermo. Depois de fracassarem na tentativa, os piqueteiros foram continuar o protesto em frente a uma filial da rede de fast-food Mac Donalds.

Raúl Castells, líder dos manifestantes, esbravejou: "Não seremos uma estrela a mais na bandeira ianque!". O protesto contra a presença de Bush atraiu dezenas de milhares de pessoas e terminou na Plaza de Mayo, em frente à Casa Rosada, a sede do governo. Os manifestantes queimaram bandeiras dos EUA e cartazes com a efígie do presidente americano. Em protesto contra Bush, hospitais e escolas públicos paralisaram suas atividades ontem.