Título: Afinal, a arma fumegante
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/11/2005, Notas e Informações, p. A3
Acaba de desmoronar o castelo de mentiras erguido sobre chão movediço pelo PT e o governo Lula sobre a origem e os fins dos R$ 55,8 milhões repassados a companheiros e políticos aliados pelo publicitário Marcos Valério. A dinheirama não veio de empréstimos bancários - o que seria, nessa versão mentirosa, dinheiro particular - nem se destinava exclusivamente ou mesmo principalmente a custear despesas de campanhas eleitorais com recursos não contabilizados, o eufemismo oficial para caixa 2. A revelação do relator da CPI dos Correios, o deputado do PMDB paranaense Osmar Serraglio, de que a investigação parlamentar enfim localizou uma fonte pública que abasteceu o abusado esquema de compra de deputados conhecido como mensalão corresponde rigorosamente ao que os americanos chamam smoking gun - o sinal indisfarçável que faltava achar para confirmar as piores suspeitas e indício seguro de que mais do mesmo virá à tona.
Entre 2003 e 2004, R$ 58,3 milhões saíram da parte pertencente ao Banco do Brasil em um fundo de "incentivo ao marketing" da empresa Visanet, controlada pelo BB, Bradesco e Real. Destinatária, a agência de propaganda DNA, de Marcos Valério, a título de pagamento por serviços futuros. Daquele total, pelo menos R$ 10 milhões foram comprovadamente privatizados para inconfessáveis objetivos políticos, percorrendo o circuito identificado pela CPI.
Em 12 de março de 2004, autorizada pelo BB, a Visanet depositou R$ 35 milhões na conta da DNA na instituição; três dias depois, a DNA aplicou pouco mais de R$ 34,8 milhões em um fundo de investimentos do mesmo estabelecimento; em 22 de abril, a empresa sacou R$ 10 milhões e os reaplicou no BMG; passados quatro dias, o mesmo BMG emprestou também R$ 10 milhões para Rogério Tolentino, sócio de Marcos Valério; a bolada, contabilizou Valério, foi repassada ao então tesoureiro petista Delúbio Soares.
Na ponta ostensiva do negócio está o então diretor de Marketing do BB, o petista histórico Henrique Pizzolato, como responsável pela escolha da agência DNA para fazer a propaganda do Banco e pela decisão, no mínimo heterodoxa, de pagar a firma pelo que ela ainda não tinha feito, muito menos, portanto, aprovado pelo cliente. Pizzolato é figura carimbada, como se diz. Apareceu no noticiário quando se descobriu que usara R$ 2,5 milhões do BB no patrocínio de um show para o PT. Funcionário de carreira da instituição, trabalhou com Delúbio na última campanha presidencial de Lula.
Numa entrevista de agosto do ano passado, citada ontem pela colunista Eliane Cantanhêde, da Folha de S.Paulo, ele disse, para explicar a sua promoção a diretor do BB: "Eu conheço o Delúbio, sim, mas conheço o Lula também.
" Agora, a pergunta impossível de varrer para sob o tapete é uma só: e, no Planalto, quem conheceria -[TEXTO] para não dizer quem comandaria - as ações de Pizzolato? De baixo para cima, o primeiro provável conhecedor era o então ministro de Comunicação de Governo Luiz Gushiken, que supervisionava pessoalmente a política e as contas de publicidade da administração direta e indireta. O segundo, o superministro José Dirceu. Ele repete que, assoberbado na chefia do Gabinete Civil da Presidência - a que nada que se passasse no governo era alheio -, não teria tempo, mesmo se quisesse, de se inteirar dos "erros" cometidos pela antiga direção petista. Não pode dizer que tampouco tinha tempo, ou interesse, de se inteirar, para não ir mais longe, de decisões do gênero daquelas tomadas por Pizzolato. Elas obviamente devem ser parte de um padrão disseminado: Marcos Valério, o publicitário por excelência do governo Lula, detinha, entre outras, a polpuda conta dos Correios - por onde começou tudo o que está aí.
O terceiro cuja versão de que "nunca tomou conhecimento" de coisa alguma se esvai a cada nova descoberta é, evidentemente, o presidente Lula. Foi ele quem colocou Delúbio na tesouraria petista. Foi ele, a julgar pelas próprias palavras do bancário Pizzolato, quem o guindou a uma das mais estratégicas - e fornidas - diretorias do Banco do Brasil. Assessores do presidente mais de uma vez transmitiram a sua queixa de que Delúbio fazia as coisas à sua revelia. Dirá Lula o mesmo de Pizzolato? Só se fosse o mais distraído dos brasileiros.
Uma coisa parece certa: doravante, nada conseguirá impedir que as CPIs continuem a puxar o fio da meada dessa imensa lambança promovida pelo PT no poder.