Título: Abalados, fiéis falam de padre pedófilo
Autor: Angela Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/11/2005, Vida&, p. A28
Assunto em todo o bairro de Cohafuma, em São Luís, onde atuava, padre Félix é alvo de revolta, decepção, surpresa e piada
SÃO LUÍS - "É como se uma pessoa que amamos tivesse morrido." Essa foi a expressão encontrada por Maria Rosa Silva Araújo, de 43 anos, para definir o que sente diante da descoberta de que o padre Félix Barbosa Carreiro aliciava adolescentes e foi preso em flagrante, no início do mês, com quatro garotos em um motel - dois de 18 anos e dois menores de idade. "Eu ainda estou em choque." Rosa mora no bairro de Cohafuma, na paróquia onde o padre Félix atuava havia cerca de um ano. "As celebrações dele eram excelentes. Ele cantava a missa toda, envolvia os fiéis, fazia com que se prestasse mais atenção às palavras de Deus, eu saía renovada da igreja depois de ouvir sua homilia." Separada, mãe de três filhos, ela trabalha como empregada doméstica e participa das atividades da paróquia. "Ele nos dizia que 'cabeça vazia é oficina de Satanás', aconselhava a gente a orar e a se manter em atividades corretas." "Como um padre desse fez 'isso' e usou droga?"
O padre é assunto em qualquer roda, em São Luís. É o primeiro caso a se ter conhecimento - pelo menos público - no Maranhão. Motivo de revolta, decepção, surpresa e também de piadas. Para algumas crianças, ele passou a ser o "bicho-papão". "Olha o padre, não pode sair na rua", diz Márcio, de 7 anos. "Ele mexeu com meninos", conta ele ao Estado, sem consciência do significado de 'mexer'.
Seu avô, o feirante Raimundo Vieira dos Santos, de 65, condena o padre e os garotos que saíam com ele e recebiam dinheiro e presentes. "Esses meninos também deviam ser presos", defende. Seu amigo, Pedro Santos, com quem conversava na noite de anteontem, em Cohafuma, está revoltado: "A Igreja está afundando cada vez mais; isso é uma sem-vergonhice, uma imoralidade."
Rosália Alves Costa, de 80 anos, discorda de Pedro: garante que o fato não abalou sua fé e é grata por dedicar a vida ao catolicismo. Ela ajudou a construir a igreja que é sede da paróquia de Nossa Senhora Aparecida, no bairro, integra a Legião de Maria e contou que o pároco, padre Raimundo Meireles, explicou aos fiéis, na missa, que acolheu o padre Félix a pedido do arcebispo Paulo Ponte, porque Félix teria sido denunciado, há cerca de dois anos (estava na paróquia do Parque Timbira), por algo que não havia sido provado e por isso o caso havia sido arquivado. "O padre Meireles não disse do que tratava a acusação e aqui ninguém sabia nada do padre Félix".
Para Rosália, ele é um doente. "Estamos rezando por ele; todo ser humano pode errar." Sua afilhada, Rita Niele, de 11 anos, foi coroinha em missas rezadas pelo padre. A menina ficou chocada: "Se ele voltar, não vou ser mais coroinha. Meus colegas da escola (colégio Upau-Açu) dizem que ele deve apodrecer na cadeia."
Anita Targino, de 50 anos, não é de freqüentar muito a igreja, mas observa que fatos como esse ocorrem em qualquer religião. Ela contou que uma parente elegeu o padre Félix como "o único no qual confiava" e veio de outra paróquia para celebrar suas bodas de ouro na Nossa Senhora Aparecida, onde ele substituía o padre Meireles, quando necessário. Segunda Anita, nas suas pregações, Félix abordou o mal das drogas e da prostituição na Igreja. "E ele fazia pior", comentou. "Até acredito na Igreja, mas tem muita hipocrisia."
FLAGRANTE
O padre Félix, de 43 anos, nasceu em Benedito Leite, no interior do Estado. Foi desmascarado pela delegada Ana Karla Silvestre, da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), que havia mais de quatro meses o investigava a partir da denúncia feita pela mãe de um adolescente. De acordo com o superintendente de Polícia Civil da capital, Marcos Afonso Júnior, o padre não se escondia, ia a bares da área litorânea, com rapazes. O flagrante ocorreu na madrugada do dia 5.
A delegada abordou o padre no Motel Fly, com quatro rapazes. Dois tomavam banho, dois conversavam sentados numa mesinha e o padre estava deitado.
Além do fato em si, o que assombrou a polícia e os repórteres foi o despudor do padre ao confirmar que bebia, que já havia fumado maconha na frente de rapazes com quem saía e tinha relações sexuais - segundo ele, só com os maiores de 18 anos. Disse ter tido sua primeira relação, homossexual, aos 28, com um jovem na paróquia de Balsas, município do sul do Maranhão, onde foi trabalhar depois de ordenado padre. Admitiu que pagava bebida, dava ingressos para shows e até celulares e roupas de grifes para alguns meninos.
Ele disse ter saído com "30 a 50" adolescentes. Observou que alguns contavam a outros e os convidava para conhecê-lo. O padre usava um Corsa, com vidro fumê escuro, ar condicionado e som. No segundo depoimento, na quarta-feira pela manhã, acompanhado de advogados, negou tudo, justificando ter falado sob o efeito do álcool.
De acordo com a polícia, só em outubro, o padre foi 50 vezes ao Motel Fly - o estabelecimento é o único do Estado que registra a identidade dos que o freqüentam. A delegada da DPCA investiga quantos meninos teriam sido aliciados pelo religioso e a possibilidade de haver outros padres envolvidos com pedofilia. Também é alvo de investigação policial a fonte de recursos do padre Félix para arcar com os gastos com os rapazes.
Autuado em flagrante por crime de pedofilia, aliciamento e corrupção de menores, padre Félix foi beneficiado com um habeas-corpus concedido por um juiz de plantão, pagando uma fiança de R$ 800,00 no dia 6 à noite. Voltou à prisão na quarta-feira, por determinação do juiz José Joaquim Figueiredo dos Anjos, em atendimento a pedido de prisão preventiva da delegada Ana Karla, sob a alegação de possibilidade de fuga. Ele está preso no quartel da Polícia Militar, na capital.