Título: Um silencioso escândalo destrói o fundo do mar
Autor: Max Hastings
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/11/2005, Vida&, p. A25

LONDRES - A maioria de nós gosta de comer peixes, mas ninguém pensa em protegê-los. Enquanto focas, elefantes e rinocerontes têm aliados políticos para lutar por eles, a humanidade pratica coisas escabrosas no mar sem que ninguém se importe. E, assim, os oceanos do mundo estão sendo saqueados. Alguns peixes e crustáceos são criados em cativeiro com sucesso: trutas e ostras, para citar dois. Os estoques de outros são sustentáveis. Porém, muitas espécies estão numa situação desesperadora, como atum e bacalhau. No último meio século, a pesca mundial anual aumentou de 18 milhões de toneladas de peixes para 95 milhões. Dados da Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO) da ONU sugerem que 52% das espécies de peixe comerciais estão plenamente exploradas, 17% são exploradas em excesso e 8% estão esgotadas.

Dois livros recentes detalham a crise: Last of the Hunter Gatherers, de Michael Wigan, de 1998, e End of the Line, de Charles Clover, de 2004. Ambos contam a mesma história de horror, mas nenhum provocou reação política.

Wigan cita um velho ditado de pescadores escoceses para os quais se o arenque abandonava uma localidade, isso se devia à "perversidade das pessoas". Clover nos convida a imaginar como reagiríamos se uma rede de 2 quilômetros de extensão presa a uma barra de aço fosse puxada pelas planícies da África, arrastando tudo que encontrasse em seu caminho - leões, leopardos, rinocerontes, elefantes e javalis. Isso, diz ele, é o que as modernas traineiras estão fazendo todos os dias nos oceanos do mundo.

Um terço da pesca total é descartada como imprestável. As redes achatam recifes e plantas aquáticas. As leis sobre tamanhos do pescado são burladas. Calcula-se que os pescadores com redes industriais reduzam qualquer comunidade de peixes recém-descoberta a um décimo do seu tamanho em uma década.

A maioria dos governos apóia a matança. O Japão está no topo da liga do subsídio anual (US$ 798 milhões), seguido por União Européia (US$ 367 milhões) e Estados Unidos (US$ 351 milhões). Na Europa, Espanha, França, Irlanda e Itália estão entre os primeiros da lista.

Nenhum ministro quer criar caso com os pescadores comerciais de seu país. A indústria fará um estardalhaço formidável e o público pouco se importa com a situação. Há uma crença nacionalista de que os excessos são cometidos somente pelos outros . Mas não há inocentes.

RECUPERAÇÃO

Uma das poucas histórias de recuperação é a do salmão do Atlântico. Uma façanha quase solitária de um islandês, Orri Vigfusson, que criou há 15 anos o North Atlantic Salmon Fund. Seu histórico na redução da pesca comercial, comprando a saída dos pescadores de rede e fazendo lobby contra governos, é impressionante.

Os cínicos dizem que Vigfusson só avançou porque teve apoio de esportistas ricos que gostam de pescar salmão com vara e linha. Mas parte de sua campanha tem sido a promoção da pesca e soltura. Muitos rios recebem hoje a receita de pescadores esportivos, enquanto seus peixes sobrevivem. A conseqüência da cruzada de Vigfusson é uma renovação precária, mas inquestionável, da sorte do salmão do Atlântico.

O salmão, porém, é apenas uma espécie - e relativamente privilegiada. O bacalhau não tem amigos assim e quase acabamos com ele. Newfoundland empregava 44 mil pessoas na pesca e processamento desse peixe até o colapso no início dos anos 1990. Existe uma preocupação crescente com o atum e espécies de tubarão e marlim.

Precisamos começar a nos preocupar com os peixes. O que está acontecendo todos os dias no oceano é um escândalo maior que o assassinato de elefantes e rinocerontes nas planícies africanas. Se isso continuar, as conseqüências para nossos descendentes serão desastrosas. * Max Hastings é jornalista e autor de mais de dez livros sobre História mundial