Título: 'Empréstimos eram para não pagar'
Autor: Diego Escosteguy, Marcelo de Moraes
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/11/2005, Nacional, p. A8

Denúncia foi feita por ex-superintendente do Banco Rural, que pode ser convocado pela CPI dos Correios para depor

O relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), quer convocar para depor o ex-superintendente do Banco Rural Carlos Godinho, que disse que os empréstimos de R$ 55 milhões da instituição para o PT foram feitos para não serem pagos. Em entrevista à revista Época desta semana, Godinho declarou que os supostos empréstimos só teriam sido firmados para mascarar a entrada de dinheiro que viria de outras fontes. "Queremos saber de Godinho que fontes são essas, de onde veio o dinheiro do PT", contou Serraglio. Na próxima quinta-feira, o relator vai apresentar ao plenário da CPI o pedido de convocação do ex-superintendente do Banco Rural.

Serraglio também pretende chamar para prestar depoimento o vice-presidente do Banco Rural José Roberto Salgado, que atribuiu ao ex-presidente da instituição José Augusto Dumont, morto em 2004, toda a responsabilidade pelos empréstimos firmados com o PT. "São muito divergentes as versões, precisamos encontrar a verdade", justificou o relator.

O ex-superintendente do Banco Rural disse que "é falsa" a versão que atribui a José Augusto Dumont o envolvimento do PT com o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ser o operador do esquema do mensalão.

O Banco Rural está sob investigação da CPI dos Correios e do Ministério Público Federal por suspeita de ter funcionado como caixa do esquema do mensalão. Saques milionários foram realizados por políticos e assessores na agência de Brasília, segundo indica rastreamento do Banco Central.

LAVAGEM

Godinho disse que havia indícios de lavagem de dinheiro nas operações da SMPB, agência de Valério que movimentava valores muito acima do seu faturamento médio mensal. "No caso da SMPB, em 2003 e 2004, todo mês acontecia isso, então a gente encaminhava para a diretoria dizendo que o cliente estava com indícios de lavagem de dinheiro", declarou. "E nenhuma providência foi tomada."

Ele destacou que os empréstimos do banco ao PT e à SMPB não são prática normal de mercado. Alertou para o fato de que os avalistas do PT - o ex-tesoureiro Delúbio Soares e o ex-presidente José Genoino - não tinham como garantir as transações. "Na conta da SMPB entrava dinheiro, mas Valério não liquidava os empréstimos. É suspeito. No caso do PT, é o aval de duas pessoas que não têm patrimônio para a operação."

Godinho diz que o Rural "pactuou com as operações do PT e do Marcos Valério em troca de favores, lobbies, recursos ao Banco Central, a órgãos fiscalizadores e negócios que o beneficiaram". Responsável pela área que cuida do cumprimento das regras no banco, ele assegurou que fazia alertas à cúpula da instituição por meio de boletins escritos. "Assim que o primeiro boletim foi emitido e assinado, foi dada ordem para não fazer mais. De 2003 a 2005 não se colocou nada das irregularidades. Não podia colocar. A gente colocava, mas na edição final eram deletadas. E a gente era obrigado a assinar o relatório modificado. Tinha de assinar daquela forma, já vinha da diretoria a versão final para ser assinada."

Segundo Godinho, "nos casos da SMPB e do PT não deixaram colocar nos relatórios irregularidades de movimentações acima dos padrões de risco de crédito". Ele disse que o BC sabia "da constância" com que o PT e a SMPB faziam reformas de empréstimos.

Godinho afirmou que avisava inclusive o vice-presidente do Rural, José Roberto Salgado, sobre os riscos dos empréstimos. "Ele (Salgado) era responsável pela prevenção à lavagem de dinheiro no banco."

REGISTRADO

O secretário de Finanças e Planejamento do PT, Paulo Ferreira, negou que o partido tenha feito empréstimo fictício. "Eu até gostaria que o empréstimo fosse fictício, assim não precisaríamos arrumar dinheiro para pagar", disse. "Mas o empréstimo do PT com o Rural de fato existe e está lá, registrado inclusive no BC, como deve ser."

Ele estranhou Godinho ter feito as declarações após sair do banco. "Ele não está mais no banco, temos de saber qual a razão de ele ter saído. Geralmente, quem sai se desliga com certo grau de incompatibilidade."

Para Ferreira, a convocação de Godinho é "mais uma tentativa dos integrantes da CPI de tentar provar as teses que até hoje não foram confirmadas. "Eles estão convocando qualquer pessoa para justificar a tese que não se comprovou, que é a de que tem dinheiro público na jogada", reclamou.