Título: Lula diz que é 'suicídio' perder Palocci, mas vê crise fora de controle
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/11/2005, Nacional, p. A4

Saída de ministro representaria um tiro de morte em seu governo e no plano de reeleição, avalia presidente

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está muito preocupado com a real possibilidade de perder o sustentáculo do seu governo: o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Desde quarta-feira, Palocci pediu três vezes para sair do cargo. Em todas as oportunidades, o presidente apelou para que esfrie a cabeça, tenha calma e espere o dia 22, quando comparecerá à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado para prestar esclarecimentos. Em conversas reservadas, porém, Lula avalia que a crise política fugiu do controle, com o recrudescimento das denúncias contra Palocci - atacado por ex-auxiliares na prefeitura de RibeirãoPreto - e a prorrogação da CPI dos Correios até abril de 2006. Na sexta-feira, o presidente novamente ordenou a colaboradores que fechem a boca e parem de alimentar a rede de intrigas entre Palocci e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

"Enfraquecer ainda mais o Palocci é um suicídio", afirmou Lula. "Precisamos ter muito cuidado para não pôr tudo a perder." Na sua avaliação, a perda de Palocci significaria não apenas um tiro de morte em seu governo como no plano petista da reeleição.

Antes de viajar por quatro dias para "refletir sobre a vida", emendando o fim de semana com o feriado de terça-feira, o ministro da Fazenda avisou a Lula que não pretende ficar "apanhando" em praça pública e administrando crise sob fogo cruzado da oposição, do PT e de integrantes do governo.

"Essas críticas dentro do governo são inaceitáveis", queixou-se Palocci a Lula. O ministro disse que só virou a bola da vez da crise porque a oposição quer atingir a economia, hoje a única vitrine do governo, e, com isso, sepultar o plano petista de um segundo mandato para o presidente. Foi por isso que Palocci ficou extremamente irritado com as estocadas de Dilma. Em entrevista ao Estado, publicada na quarta-feira, ela chamou de "rudimentar" o ajuste fiscal de longo prazo, proposto pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Foi mais longe: para a ministra, um país do tamanho do Brasil precisa diminuir os juros "se quiser sair do atoleiro".

O embate foi escancarado num momento dificílimo, quando Palocci está fragilizado e o governo, acuado pela oposição, sob o cerco de três comissões parlamentares de inquérito no Congresso. O Planalto vive em pânico com os possíveis desdobramentos das investigações. Apesar do esforço governista para pôr fim às apurações, tanto a CPI dos Correios como a dos Bingos avançarão no calendário eleitoral de 2006. Com alto potencial de estrago, só vão terminar em abril, justamente quando o PT estará tentando costurar as alianças para sustentar a possível candidatura de Lula à reeleição.

ESTOCADAS

Na prática, Dilma já venceu uma batalha contra a equipe econômica e deve conseguir "importar" o secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, para os Estados Unidos. Aliado de Palocci, Levy foi convidado a trabalhar no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e deve deixar o posto em breve.

Dilma sempre foi crítica do fiscalismo excessivo de Levy. Não era a única: seu antecessor na Casa Civil, o deputado José Dirceu (PT-SP), hoje à beira da cassação na Câmara, também bombardeava o secretário do Tesouro, que, por sinal, coleciona desafetos no PT.

Embora considere legítima a disputa interna entre desenvolvimentistas e monetaristas, Lula teme que a divergência pública passe dos limites e ganhe vida própria, com formulações individuais de ministros, evidenciando a falta de uma política de governo.

Na época do embate entre Dirceu e Palocci, o presidente achava que a peleja transmitia imagem de um confronto de personalidades com estilos diferentes. No diagnóstico de Lula, um era o contraponto do outro e, apesar do barulho, os dois se complementavam.

Agora, no entanto, a situação é bem mais grave. Com Palocci desgastado, o que há é um divórcio litigioso dentro do governo.

Lula reza para não ser obrigado a arbitrar o duelo. "Seria o pior dos mundos", confidenciou a um interlocutor do PT. As opiniões de Dilma no tocante aos juros e ao superávit primário contam com o apoio do presidente, mas ele acha que o momento para externá-las foi inoportuno. "No fundo, Lula quer ser Palocci, mas gastando como manda a Dilma", comparou um de seus auxiliares.

A preocupação do governo, agora, é que as especulações transmitam a falsa idéia de que haverá mudança nos rumos da economia. "O Brasil não vai partir para o populismo econômico", garantiu o líder do governo no Senado, Aloízio Mercadante (PT-SP). "Não vamos abdicar da responsabilidade fiscal."