Título: A rodada por um fio
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/11/2005, Notas e Informações, p. A3

Hong Kong pode ser um trampolim para o avanço das negociações comerciais em 2006, segundo o representante dos Estados Unidos para o Comércio Exterior, Robert Portman. Esse comentário foi feito em Genebra, onde cinco dos principais negociadores, incluído o chanceler brasileiro Celso Amorim, fizeram ontem mais um esforço para evitar o fracasso da Conferência Ministerial da OMC, em dezembro.

A grande ambição, agora, é conseguir em Hong Kong um acordo básico sobre alguns pontos importantes, para manter o dinamismo das negociações nos meses seguintes e possibilitar a conclusão da Rodada Doha em 2006. A Rodada foi lançada com dois anos de atraso, por causa do grande fiasco da reunião em Seattle, em 1999. Novo desastre ocorreu em Cancún em 2003 e os trabalhos só foram retomados para valer um ano mais tarde. Ninguém sabe por quanto tempo as negociações ficarão paralisadas, se houver um fracasso completo em Hong Kong.

Um impasse, agora, será um estímulo a um maior protecionismo e, quase certamente, à multiplicação de acordos bilaterais e regionais. Se isso ocorrer, as normas internacionais de comércio ficarão mais confusas e mais perigosas para as economias em desenvolvimento. Sem a reforma do sistema, o número de conflitos tenderá a crescer e os maiores perdedores serão os países com menor poder de retaliação.

Com realismo, os negociadores abandonaram os objetivos iniciais do encontro de Hong Kong. Se tudo corresse bem, essa reunião deveria servir para o esboço dos principais compromissos da Rodada. Os meses seguintes seriam dedicados à negociação dos detalhes e dos números finais, acertando, por exemplo, o ritmo de redução de barreiras para cada tipo de bem ou a lista final dos produtos com tratamento diferenciado. Seria uma tarefa complexa, mas os diplomatas poderiam trabalhar com objetivos claros e com limites acordados para as concessões.

Mais modesta, a nova pauta de Hong Kong ainda incluirá alguns pontos de grande importância. Um dos mais complicados será a fixação de um prazo para a eliminação total dos subsídios à exportação agrícola. Para o Brasil, o limite deveria ser o ano de 2010. Durante muito tempo, os negociadores europeus nem aceitaram a fixação de um prazo. Agora, o comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, dá sinais de aceitar a definição de um prazo, se os americanos aceitarem regular os subsídios internos com efeito indireto nas exportações. Além disso, australianos e canadenses terão de aceitar, segundo Mandelson, modificações em seu sistema estatal de exportações agrícolas.

Os europeus cobram também maior abertura das economias em desenvolvimento para o comércio de serviços e de bens industrializados. O governo brasileiro havia proposto cortar pela metade as tarifas para produtos industriais e sua oferta foi considerada insuficiente. O ministro Amorim admitiu, no entanto, a disposição de oferecer um corte maior, se a União Européia melhorar sua oferta de abertura comercial para bens agrícolas.

Neste momento, os governos dos EUA e do Grupo dos 20, formado por Brasil, China, Índia e outros emergentes, jogam do mesmo lado, pressionando os europeus para que liberalizem seu comércio agrícola. Mas alguns membros do G-20, como a China, resistem a abrir seus mercados para esses produtos, tentando uma negociação assimétrica.

A agenda provavelmente incluirá, também, discussões sobre outros temas delicados, como regras mais estritas para ações antidumping e formas de proteção de patentes. Já houve um entendimento sobre a quebra de patentes farmacêuticas para certas finalidades sociais, mas o governo dos Estados Unidos, pressionado pelos grandes laboratórios, ainda tentará acrescentar restrições a esse acordo.

Mesmo com ambições reduzidas, a pauta de Hong Kong ainda envolverá matérias difíceis. Um resultado satisfatório só será obtido com muito trabalho nas próximas semanas e durante a conferência. Mas um sucesso limitado parece hoje mais provável do que há poucos dias. Desperdiçar essa possibilidade custará muito caro.