Título: Líder quer motor mais forte para a União Européia
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/11/2005, Internacional, p. A15

Angela Merkel é a primeira mulher a assumir a chancelaria da Alemanha. Ela foi educada na Alemanha Oriental, onde morava com a família. O pai é um pastor protestante. De certa maneira, a vida de Angela resume os últimos 50 anos do país. Primeiro, sofreu a ação divisora do Muro de Berlim. Depois, por obra do ex-chanceler alemão Helmut Kohl, presenciou a alegria da queda dessa barreira da vergonha.

Agora, procura desesperadamente manter a unidade da nação.

A curiosidade era saber qual seria o primeiro país que ela visitaria na Europa. Estranhamente, será a França, onde chega hoje em viagem oficial. Mas por que estranhamente?

Merkel pertence à CDU (a direita cristã). Seu predecessor, o socialista Gerhard Schroeder, privilegiava a amizade franco-alemã. Ele compartilhava a desconfiança que o presidente francês, Jacques Chirac, nutria em relação ao presidente americano, George W. Bush (guerra do Iraque), e ao líder britânico, Tony Blair (além de inglês, ele também é liberal, o que são dois vícios). Merkel sempre defendeu o contrário. Ela queria retomar os laços com os governos de Londres e Washington, e tirar a França do centro de suas relações.

Eis porque, pela lógica, esperava-se que a primeira viagem fosse para Londres e a segunda para Paris. Ela inverteu a ordem: hoje estará em Paris e amanhã em Londres.

Duas explicações. Merkel quer mostrar que, se pretende reencontrar o caminho para Londres, isso não significa que vá afrouxar as ligações com Paris. Seu esquema seria, antes de tudo, que a União Européia, em vez de optar por um motor franco-alemão, opte por um motor mais complicado e mais potente, o franco-anglo-alemão.

Mas há uma outra explicação. Merkel não pode formar um governo homogêneo de direita (CDU). O partido dela só obteve a metade dos votos nas eleições legislativas e a outra metade ficou com os social-democratas. Portanto, ela tomou a dianteira de uma atrelagem bizarra, direita e esquerda, CDU e SPD, o que chamamos de grande coalizão. A conseqüência automática é que Merkel não pode mais fazer o que quer. Ela está sob vigilância do SPD, como seus ministros social-democratas estão sob vigilância da CDU.

Isso é observado em todos os departamentos. Por exemplo, nas orientações econômicas e sociais, e também na diplomacia. Principalmente porque o ministro de Relações Exteriores de Merkel é um social-democrata, justamente Frank Walter Steinmeier, 49 anos, que foi chefe de gabinete de Gerhard Schroeder, o apóstolo da amizade franco-alemã. As duas orientações diplomáticas deveriam, portanto, aprender a coexistir. O SPD deveria se mostrar mais cooperativo em relação aos anglo-saxões. E a CDU de Merkel deveria evitar ofender o aliado francês. Resultado: um dia depois de sua posse, Merkel está em Paris. No dia seguinte, segue para Londres.

Um pouco de equilíbrio é uma promessa de sabedoria e moderação. No entanto, esse detalhe (Paris antes de Londres ou Londres antes de Paris) dá uma medida de quanto Merkel deverá usar de imaginação, nervos e tenacidade para pilotar com mão firme um carro que vai derrapar tanto para a esquerda quanto para a direita.

Alguns observadores na Alemanha anunciam que a equipe de Merkel está condenada à paralisia, com cada um dos lados tentando boicotar os projetos do outro. Esses profetas do pior não têm necessariamente razão. É possível, ao contrário, que as duas sensibilidades, em vez de se esterilizar e se destruir, se enriqueçam mutuamente e apliquem um programa mais equilibrado, mais fecundo que o de um só partido.

Tudo dependerá dos talentos de Merkel como negociadora e como tomadora de decisões. Ainda não conhecemos Merkel. Em três meses, saberemos se ela foi bem-sucedida ou se fracassou - e, neste caso, com ela, a Alemanha inteira.