Título: Oposição prega desobediência ao Supremo
Autor: Ana Paula Scinocca e Expedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/11/2005, Nacional, p. A7

O adiamento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o recurso do ex-chefe da Casa Civil, deputado José Dirceu (PT-SP), caiu como uma bomba no Congresso, no início da noite ontem. E abriu a mais séria crise entre o Legislativo e o Judiciário na era Lula. Logo depois do adiamento, o vice-presidente da Câmara, José Thomaz Nonô (PFL-AL), subiu à tribuna da Câmara e, indignado, pregou a não obediência ao Supremo, argumentando que se tratava de uma interferência indevida de um Poder em outro. 'É um insulto, uma vergonha, um abastardamento do Poder, um ato de servilismo que esta Casa não pode nem deve aceitar', afirmou Nonô. 'Esta Casa está se abaixando demais e quem muito se abaixa expõe parte de sua anatomia aos olhos de terceiros.' Bastante aplaudido pelos colegas, o deputado Nonô prosseguiu, insistindo na necessidade de a Câmara dar continuidade ao processo contra Dirceu, com ou sem decisão judicial. 'Temos de tocar o processo. Se o Supremo achar ruim, que intervenha na Câmara. Só na ditadura militar... Penso que abriremos um precedente grave se aceitarmos isso de maneira dócil. Todos seguirão o mesmo rumo', discursou. 'Os deputados têm de zelar pela sua Casa. Pondero a vossas excelências que vejam bem o que estamos fazendo, permitindo que o Supremo repouse no conceito mais abstrato que é o de definir o decoro parlamentar. Não há STF, não há ministro Jobim (Nelson Jobim, presidente do Supremo) capaz de definir isso', disparou Nonô. 'Conclamo os deputados a se unirem na defesa da Casa, da independência do Poder, sob pena de terminarmos essa legislatura como bedel, subúrbio do Judiciário.' VOTAÇÃO BARRADA O líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (PFL-RJ), foi à tribuna e, também indignado, anunciou que o seu partido não cumpriria o acordo de votar a proposta de emenda constitucional que proíbe a verticalização nas coligações partidárias para a eleição de 2006. A votação estava prevista para a sessão de ontem. 'Tomamos uma decisão enérgica ou seremos desmoralizados. O ministro Jobim pensa que ainda é deputado e a cada votação interfere aqui', atacou o deputado pefelista. Presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (PTB-SP) tomou o microfone e reclamou da ingerência do Supremo nos trabalhos do Conselho, que estão sendo conduzidos desde o início da crise do mensalão, há cinco meses. 'O Poder Judiciário não sabe como funciona aqui. Estamos há cinco meses no processo e o STF vem dizer que houve cerceamento de defesa. Eu não aceito isso.' O líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP), também fez coro aos descontentes. 'Jamais acompanhei, jamais soube de intervenções tão sérias do Supremo na ação do Congresso', afirmou. DEFESA A favor do Supremo, ficaram apenas o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), e um amigo de Dirceu e de Jobim, o ex-ministro das Comunicações e deputado Miro Teixeira (PT-RJ). Miro afirmou que não há o que deliberar, já que o STF ainda não tomou a decisão. 'Essa é uma discussão louca. Parece briga na geral.' Berzoini afirmou que, quando o Supremo decidiu liminar contra Dirceu, a oposição não reclamou da interferência no Legislativo. 'A decisão favorável à oposição, ela aplaude. Quando é contrária, não aceita. Assim é fácil', reagiu. Relator do processo contra Dirceu no Conselho de Ética, o deputado Júlio Delgado (PSBMG), disse que a Câmara respeita rigorosamente todos os procedimentos processuais e que não aceita as manobras protelatórias que vem sendo adotadas pelo petista no STF. No Congresso, a avaliação é de que a votação do Supremo pode levar o deputado José Dirceu a - ao contrário do que imagina - ver escapar qualquer chance política de salvar o seu mandato parlamentar.