Título: Relações delicadas
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/11/2005, Nacional, p. A9

Em que pese sua habilidosa performance de quarta-feira, dificilmente o ministro Palocci escapará da convocação pela CPI dos Bingos. Nas CPIs, as convocações têm servido de arma nas mãos da oposição e do governo. É assim mesmo. CPIs são assembléias políticas, que pensam e agem politicamente. Sobre as denúncias com que a ¿turma de Ribeirão¿ vem bombardeando Palocci desde agosto, sua ida à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado não diminuiu um milímetro da gravidade da crise. Mas serviu para reforçar um importante aspecto das delicadas relações entre Executivo e Legislativo no Brasil.

A hipertrofia diante dos outros dois Poderes, a fúria legiferante e o desprezo olímpico pela crítica fazem do Executivo brasileiro um Poder particularmente antipático. Disto se aproveita o Legislativo para se apresentar como ¿legítimo intérprete¿ dos interesses da sociedade brasileira frente ao que se convencionou chamar de ¿rolo compressor do Planalto¿.

No Executivo diz-se que o Legislativo é despreparado, fisiológico e arrogante. Ah, sim, e também clientelista, perdulário, quando não simplesmente corrupto. A mesmíssima coisa pensa o Legislativo do Executivo.

A longa sessão da CAE na quarta-feira mostrou que o que está em jogo na disputa entre Legislativo e Executivo é o poder sobre o orçamento da União. Desde que sua elaboração passou da responsabilidade do Congresso para a do Executivo, a partir da Constituição de 1934, o Legislativo tem-se limitado praticamente a carimbar o projeto que vem do Executivo e autorizar despesas. Isto mesmo. O orçamento brasileiro não é impositivo, o que significa que o Executivo não é obrigado a pôr em prática o que ele próprio elaborou e o Congresso aprovou.

Daí as críticas de boa parte dos membros da CAE. Os senadores são na maioria gente responsável, ex-ministros e ex-governadores, gente que não quer sair por aí gastando dinheiro à toa. Quer, isto sim, que o orçamento seja executado. Não é mais possível que a Fazenda contingencie a maior parte dos recursos que seriam destinados a programas dos ministérios, e estes ministérios, por incompetência, não gastem nem metade do pouco que a Fazenda lhes destinou. Está na hora de acabar com esta encenação.