Título: Amorim: África não deve se iludir com UE
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/11/2005, Economia & Negócios, p. B13

Em um esforço para convencer os países africanos a romperem seu apoio à União Européia (UE) nas negociações sobre abertura de mercado agrícola na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, propôs ontem, em Arusha, na Tanzânia, medidas que permitam a eliminação gradual do sistema que atualmente favorece o ingresso de produtos africanos no mercado europeu. Trata-se de um dos temas mais críticos do capítulo agrícola da Rodada Doha. Bruxelas se apóia nessas regras para impedir que os africanos se alinhem a outras economias emergentes em favor da eliminação de subsídios e da abertura agrícola mundial. O Brasil defende a tese que essas vantagens, garantidas às ex-colônias européias, são um agrado que impede a África de buscar condições mais vantajosas de comércio.

Em discurso na Conferência Ministerial da União Africana sobre as Negociações da OMC, Amorim defendeu que os países em desenvolvimento devem atuar juntos, com ¿criatividade e solidariedade¿ e aproveitar as oportunidades de negócios entre si. Mas igualmente sugeriu que a África não deve se deixar iludir por supostas vantagens oferecidas por Bruxelas.

Segundo Amorim, a ação do Brasil na OMC contra os subsídios dos Estados Unidos ao algodão favoreceu também as economias produtoras da África. Mas mostrou claramente que não basta ampliar o acesso a mercados. Será preciso, insistiu ele, eliminar os subsídios e outras medidas que distorcem o comércio agrícola internacional. ¿Por isso a agricultura está no coração da Rodada Doha, porque é tão importante para os países em desenvolvimento¿, afirmou, com didatismo. ¿A menos de um mês da Reunião Ministerial da OMC em Hong Kong, as negociações bateram em um muro.¿

O sistema de preferências da União Européia prevê cortes de tarifas para matérias-primas importadas de suas ex-colônias da África, do Caribe e do Pacífico (ACP). Bruxelas vale-se desse esquema para obter o apoio das ex-colônias a suas ofertas pífias de abertura de mercado agrícola e para indispor os ACPs contra o G-20, grupo de países em desenvolvimento.

Amorim lembrou, em seu discurso, que o Brasil e seus sócios do Mercosul ofereceram a derrubada de barreiras tarifárias para cotas de produtos provenientes de países em desenvolvimento, especialmente da África e da América Latina, como uma compensação pelas perdas que sofreriam com a redução das preferências. Outros mecanismos poderiam ser os investimentos conjuntos em plantas produtivas na África, assim como a que o Brasil está implementando atualmente na Jamaica para a produção de etanol.

CONTROLE

A limitação do poder de ação dos diplomatas que negociam acordos comerciais internacionais foi defendida ontem pelo secretário-geral das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães. Trata-se do diplomata que definiu, em parceria com o chanceler Celso Amorim, a estratégia comercial do governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Pinheiro Guimarães argumentou que tais limites, previstos no projeto de lei 4.291, deverão "fortalecer a capacidade negociadora do Estado brasileiro". De autoria do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), o projeto de lei regula a atuação dos diplomatas e aumenta a interferência do Congresso nas negociações comerciais.