Título: Até cateter ficou velho perto do scanner
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2005, Vida&, p. A26
Equipamentos com tecnologia de ponta tornam medicina cada vez menos invasiva
Nunca as técnicas na medicina foram tão pouco invasivas. Nunca a imagem computadorizada teve tamanho espaço no meio médico. Nem seria mais possível separar as duas coisas quando o assunto é cirurgia e diagnóstico de ponta.
Hoje, nos centros de referência, dificilmente o médico diz que vai registrar a foto de determinado órgão para analisar uma lesão, por exemplo. Ele escaneia o órgão. A diferença entre um termo e outro é brutal: está na quantidade de imagens que um aparelho é capaz de fazer por minuto do organismo.
¿Quanto maior o número, melhor é a capacidade de enxergar o organismo por dentro, sem a necessidade de abri-lo¿, explica Marcelo Menezes, coordenador do Serviço de Tomografia e Ressonância Magnética do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
A evolução chegou a tal ponto que até o cateter, maior símbolo nas últimas décadas da técnica pouco invasiva, começa agora a ser substituído na área de diagnósticos pela imagem. A novidade apareceu graças à capacidade tecnológica da última geração de tomógrafos computadorizados, os chamados tomógrafos multidetectores (ou multislice)de imagem. Essas máquinas fazem uma varredura de imagens do organismo. Um computador gera imagens de alta resolução parecidas com cortes anatômicos do órgão examinado. A técnica serve para detectar uma série de anomalias, principalmente no cérebro, no pulmão e no abdome.
A última geração desses tomógrafos multidetectores tem 64 cortes. Isso significa que o aparelho divide virtualmente a área do organismo avaliada em 64 partes. O detalhamento é inédito. O aparelho da geração anterior é capaz de fazer 32 cortes. Não só. O aparelho faz até 193 imagens por minuto.
¿O salto é impressionante¿, avalia Menezes. ¿O convencional faz duas por minuto; os primeiros, da década de 70, faziam apenas uma imagem a cada 8 minutos.¿ A nova máquina rastreia o coração em 14 segundos e o corpo inteiro em 28.
É a velocidade de imagens que permite a substituição das angiografias por tomografias. A angiografia representa um dos principais usos do cateterismo. Trata-se da injeção de um líquido de contraste dentro dos vasos. O contraste não aparece onde o vaso estiver obstruído.
A angiografia tem um risco, apesar de pequeno. ¿Cerca de 2% dos pacientes podem ter sangramentos por conta de alterações na coagulação sanguínea¿, explica Francisco César Carnevale, chefe do radiologia do Hospital do Câncer e do Incor. ¿Quando o sangue demora para coagular, pode formar hematomas no furo do cateter. O cateter também pode ferir o vaso. Mas os riscos são 0,2%.¿
O tomógrafo de 64 cortes faz a vistoria dos vasos aplicando o contraste no braço do paciente, em vez de usar o cateter, eliminando qualquer risco. Para isso, a leitura tem de ser muito rápida ¿ o tempo médio para a substância se diluir pelo corpo é de 40 a 70 segundos depois da injeção. O pico ocorre 20 segundos após a aplicação.
NA REDE PÚBLICA
O aparelho acaba de chegar ao Brasil. Um deles será o primeiro na rede pública do Estado, no Instituto Dante Pazzanese. A novidade vai ser divulgada hoje pelo secretário de Saúde do Estado, Barradas Barata, durante o anúncio da ampliação do hospital. O Sírio-Libanês recebeu a máquina há dois meses. Para isso, gastou US$ 1,2 milhão ¿ o tradicional custa em torno de US$ 300 mil. O Incor, em São Paulo, e o Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, também já têm a máquina.
A imagem entrou com força na medicina na década de 70, quando microcâmeras foram acopladas à ponta do cateter. Em vez de abrir o corpo para diagnosticar alguma lesão, o médico passou a ter a opção de fazer um corte de cerca de 2 cm por onde segue a microcâmera até o órgão investigado.
Na década de 90, a técnica passou a ser usada para valer em cirurgia. Primeiro foi a vez do coração, depois do cérebro. O cateter, então, passou também a levar material aos órgãos, como stents (molinhas de metal) para manter vasos do coração abertos ou para reconstituir paredes arteriais, no caso de derrames ou em aneurismas (dilatação anormal do vaso). Em vez de olhar para o paciente, o médico acompanha tudo na tela de um monitor. ¿As vantagens das cirurgias guiadas por imagens são inúmeras¿, defende Carnevale. ¿O tempo de recuperação é a metade em relação à cirurgia convencional¿, diz. ¿Numa cirurgia de aneurisma, por exemplo, são uns sete dias de internação na convencional. Na minimamente invasiva, não passa de quatro dias. E a anestesia passa a ser local, em vez de geral.¿
BIÓPSIA VIRTUAL
Na oncologia, hospitais de ponta têm usado cada vez a imagem para facilitar as biópsias. A técnica, batizada de biópsia virtual, consiste na retirada de células do órgão com uma agulha orientada por imagem. ¿Hoje, atingimos não só regiões superficiais, como a mama, mas também as profundas, como pulmão e rim¿, diz Rubens Chojniak, diretor do departamento de diagnóstico por imagem do Hospital do Câncer. Hoje, um nódulo de 0,4 centímetro pode ser captado por imagens. Há cinco anos, 1 cm.
Outro uso importante da imagem na oncologia é a quimioembolização de tumores no fígado. Traduzindo o termo, trata-se da aplicação do remédio quimioterápico diretamente no tumor, pelo cateter. Na maneira convencional, o remédio é injetado na veia e circula por todo o corpo. ¿A dose usada nesse tipo de quimio pode ser 20 vezes maior em relação à aplicada na veia¿, explica Carnevale.
Nem toda cirurgia tradicional pode ser substituída por técnicas pouco invasivas. Em casos de urgência, por exemplo, quando a dilatação da aorta abdominal (artéria que nasce do coração e transporta sangue para todo o organismo) é maior que 5 cm, ela não é indicada. ¿Aí, o médico tem de abrir o tórax imediatamente para reconstituir a artéria¿, diz Carnevale.
As técnicas guiadas por imagens podem ser executadas por qualquer especialista. Mas não é fácil ser especialista no Brasil. ¿A especialidade ainda engatinha por aqui¿, avalia Carnevale, um dos poucos especialistas no País. ¿Hoje, o médico tem de se formar no exterior.¿ Os Estados Unidos e a Espanha têm os maiores centros.
A Sociedade de Radiologia Intervencionista e Cirurgia Endovascular (Sobrice) foi criada em 1997 e hoje conta com 400 integrantes ¿ a americana tem 5 mil. Ela entrou no meio acadêmico só em 2004, na Universidade de São Paulo (USP), mas como matéria optativa do 4º ano de Medicina. Neste semestre, apenas três alunos escolheram a disciplina.