Título: Por quem mesmo os sinos dobraram?
Autor: Noelle Valles
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2005, Internacional, p. A21

Após 30 anos da morte de Franco, espanhóis ainda preferem esquecer os crimes do período da Guerra Civil e da ditadura

MADRI - Hoje faz 30 anos que Francisco Franco morreu. Desde então, a sociedade espanhola viveu uma transformação política e cultural radical e optou pelo esquecimento oficial sobre os crimes da Guerra Civil Espanhola, que dividiu o país entre 1936 e 1939, e da ditadura que veio depois e durou até 1975. Juan Luis Cebrián, vice-presidente de El País ¿ jornal nascido seis meses após a morte de Franco e convertido em paradigma do renascimento da democracia ¿, constata placidamente uma ¿perda de memória coletiva¿ sobre esse período. São muitos os políticos e historiadores, mesmo os de esquerda, para os quais não devem ser reabertas as feridas de guerra. Assim, a Espanha, ponta de lança da Justiça universal, que fez deter o ex-ditador chileno Augusto Pinochet e começou a julgar os crimes da ditadura argentina, nunca celebrou um julgamento sobre o franquismo. O governo de José Luis Rodríguez Zapatero, cujo avô foi fuzilado pelos franquistas, tampouco contribuiu para as escavações de valas comuns do franquismo, que há cinco anos são conduzidas por voluntários.

A Associação para Recuperação da Memória Histórica continua pedindo ¿justiça histórica¿ e a Anistia Internacional (AI) exigem o fim da ¿exceção espanhola¿. Não se sabe ao certo quantos soldados e civis morreram durante a guerra. O certo é que poucas famílias ficaram imunes às baixas do conflito.

Esse doloroso debate continua sendo a seqüela essencial do franquismo já que, na política, a extrema direita reduziu-se a grupelhos insignificantes.

Como nos anos anteriores, a basílica do Valle de los Caídos, mausoléu do ditador, reunirá hoje seus fiéis. A diferença é que esses nostálgicos já não têm em Madri uma estátua de Franco para servir de ponto de encontro: em 17 de março, ela foi discretamente retirada durante a noite.