Título: Campanha mexicana começa agitada
Autor: James C. McKinley Jr.
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2005, Internacional, p. A20

Vencedores de primárias ¿ sacudidas por escândalos, ataques e divisões partidárias ¿ concentram fogo em López Obrador

CIDADE DO MÉXICO - Foi uma amarga disputa eleitoral, cheia de ataques, escândalos e cismas partidários, num alvoroço político raramente visto no México. De qualquer modo, depois da última eleição primária, no domingo passado, os eleitores mexicanos ficaram com três candidatos que disputarão a presidência em julho do ano que vem. Os candidatos são um ex-prefeito esquerdista da Cidade do México, um ex-ministro da Energia conservador que promete combater o crime e um antiquado chefe político do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o país por sete décadas em meio à fraude e à corrupção.

A maior surpresa é o ex-ministro da Energia Felipe Calderón, que derrotou o ex-ministro do Interior Santiago Creel, o favorito do presidente Vicente Fox, para se tornar o candidato do Partido Ação Nacional (PAN).

A imagem pura de Creel foi gravemente abalada por notícias descrevendo como o ex-ministro, pouco antes de deixar o cargo, em maio, concedeu lucrativas licenças de jogo a empresas ligadas à companhia de mídia dominante no país, a Televisa, e a ricos executivos que poderiam ajudar sua campanha.

Creel foi perseguido pela acusação de ter pago preços especialmente baixos por seus anúncios na televisão.

Calderón, um político de 43 anos agressivo e de língua afiada, apresenta uma plataforma de combate ao crime, manutenção da política de livre comércio e criação de empregos.

O vencedor da batalha interna do PRI, que governou o México até 2000, é Roberto Madrazo, de 53 anos, ex-governador do Estado de Tabasco e, mais recentemente, presidente nacional do partido. Numa campanha dura, Madrazo prometeu uma liderança competente, apresentando-se como o oposto de Fox, visto por muitos como um líder ineficaz.

Mas a vitória de Madrazo teve um preço. Ele eliminou muitos adversários para triunfar. Vários líderes partidários renunciaram em protesto ou pediram que ele se retirasse. Seu oponente mais forte, Arturo Montiel, foi forçado a abandonar a disputa quando surgiram notícias de que sua família fizera fortuna quando ele governou o Estado do México.

O ex-prefeito da Cidade do México Andrés Manuel López Obrador, de 52 anos, é o único candidato que não enfrentou oposição em sua agremiação. Seus rivais no Partido da Revolução Democrática (PRD) desistiram depois que López Obrador repeliu tentativas dos outros dois partidos de destruir sua candidatura acusando-o de ignorar uma ordem judicial.

Sua principal promessa é expandir projetos de obras públicas e oferecer serviços de saúde gratuitos e subsídios em dinheiro aos idosos, como ele fez na capital. López Obrador retrata seus oponentes como escravos da mesma rede de grandes empresários e políticos interesseiros que reteve o poder no México na maior parte do século 20. Rejeitando uma campanha cara na mídia, ele prometeu um movimento de raiz para galvanizar os eleitores das classes baixa e média ¿ a base de seu apoio, segundo as pesquisas.

De fato, ele viaja pelo país de carro, fazendo comícios em todas as cidades no caminho. ¿Acredito que o necessário é uma verdadeira purificação da vida pública, uma profunda renovação, e isso tem de acontecer de baixo para cima¿, disse ele numa recente entrevista à Televisa. ¿É por isso que promovo essas reuniões, esses encontros com o povo.¿

MESSIANISMO

Mas López Obrador possui um traço messiânico que, para alguns críticos, indica que ele seria um líder autoritário. Nos últimos dias, Calderón tentou explorar uma profunda inquietação entre os mexicanos das classes média e alta com o tipo de populismo do ex-prefeito, um temor de que ele volte atrás em acordos de livre comércio e quebre o Estado com programas sociais dispendiosos.

¿Ele pratica um maniqueísmo muito perigoso¿, disse Calderón numa entrevista publicada recentemente na revista Milenio, referindo-se a López Obrador. ¿Sua leitura é: `Sou bom e todos os demais são maus.¿ É como a velha piada do bêbado que entra na contramão e ouve no rádio que algum maluco está vindo na direção errada. `Um?¿, diz ele. `Há milhares.¿¿

Na segunda-feira, Madrazo também retratou López Obrador como um ditador no armário, comparando-o ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez. ¿Eles têm atitudes muito parecidas. Vejo autoritarismo em ambos. Eles se consideram donos da verdade absoluta e estão em conflito permanente com o capital¿, afirmou Madrazo numa entrevista a jornalistas estrangeiros.

A luta foi igualmente dura na disputa pela nomeação do partido de Fox. Creel sofreu com o escândalo do jogo. Os militantes do PAN, que tendem a ser mais conservadores que Fox e seus aliados, também quiseram se distanciar do presidente, visto por muitos no partido como incompetente.