Título: MST forma professores e prega luta
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2005, Nacional, p. A16

Foram entregues diplomas a 60 alunos, que se especializaram em educação rural

Inaugurada em janeiro deste ano, a Escola Nacional Florestan Fernandes, do Movimento dos Sem-Terra (MST), formou na semana passada a primeira turma de alunos de seus cursos de especialização. Com a presença do secretário-geral da Presidência, ministro Luiz Dulci, foram entregues os diplomas a 60 educadores, que se especializaram em educação rural. No centro de cada diploma, bem destacadas, figuravam as palavras de ordem: ¿Contra a intolerância dos ricos, a intransigência dos pobres. Não se deixar cooptar. Não se deixar esmagar. Lutar sempre.¿ Atribuídas ao sociólogo e político de esquerda Florestan Fernandes (1920-1995), um dos pensadores brasileiros mais admirados pelo MST, elas sintetizavam o espírito do curso e da própria cerimônia de formatura ¿ realizada na manhã de quinta-feira, na chácara onde fica a escola, em Guararema, no interior de São Paulo. Logo no discurso de abertura da cerimônia, o coordenador dos cursos, Adelar Pizetta, definiu, incisivo: ¿Não estamos aqui para copiar estruturas educacionais já superadas pela história. Desejamos criar uma escola de formação de seres humanos conscientes e responsáveis, com firmeza e clareza ideológica e comprometidos com os interesses e a causa da classe trabalhadora.¿ A meta, ainda segundo a definição do coordenador, é ¿ajudar a construir e fazer avançar a luta de classes no Brasil¿.

Outros discursos também destacaram a necessidade de espaços educacionais com visão de classe. Foram crescendo de tom até o hino da Internacional Socialista, entoado com vigor ao final, e o brado de guerra: ¿Globalizemos a luta, globalizemos a esperança.¿

A primeira turma de formandos chamou-se Milton Santos (1926-2001). A representante deles na cerimônia, Isabel Grein, militante gaúcha do movimento, frisou no discurso de saudação que sua tarefa será produzir o conhecimento que leve à libertação dos trabalhadores: ¿Se o capitalismo nos desumaniza e transforma em vermes, devemos mudar isso.¿

Também os visitantes chamaram a atenção para o caráter transformador que o MST pretende imprimir ao ensino. A professora Leila Chalub, da área de extensão da Universidade de Brasília (UnB), instituição que ajudou a ministrar o curso, em parceria com os sem-terra, animou a platéia com a citação de dois revolucionários sempre lembrados no MST: José Martí (1853-1895) e Ernesto Che Guevara (1928-1967).

Mônica Romero, representante do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e parceiro do MST na área educacional, disse: ¿Qual é o campo da educação no campo? Não é o campo do agronegócio, nem da ruralidade dos espaços vazios, do campo sem gente. O campo da educação no campo é principalmente o da construção de novas relações sociais, novas relações com a natureza... Precisamos pôr a ciência a serviço da vida e não de acumulação e lucro, a serviço do capital.¿

EXEMPLO

Dulci rebateu as críticas de que os cursos do MST, financiados com verba pública, não dão atenção à técnica e se detêm apenas na formação ideológica. Disse que o MST juntou as duas coisas: ¿Além da busca de uma educação tecnicamente rigorosa, eles têm visão política, ética, de democratização, socialização, transformação.¿

O sistema é tão bom, segundo Dulci, que poderia servir de exemplo: ¿A escola pública deveria oferecer ensino da melhor qualidade e elevar ao máximo a consciência civil e democrática, a consciência política.¿

Dulci ficou à vontade entre os sem-terra. Só pareceu desconfortável quando entoaram a Internacional. Ouviu como se tivesse sido acometido por uma súbita paralisia muscular. Pouco antes ele tinha conclamado os sem-terra a continuar promovendo manifestações, pois ajudam o governo a enfrentar os adversários da reforma agrária, adversários poderosos, segundo o ministro: ¿A reforma agrária depende dos governantes, da vontade política, mas, sobretudo, da força dos movimentos. Ela é necessária para que haja correlação de forças favorável e para impedir as tentativas dos adversários da reforma agrária e da justiça social de barrarem esse processo.¿ Em outras palavras, ¿é preciso ter forças nas ruas¿.

SOLIDARIEDADE

O discurso final, antes do churrasco simples que marcou a formatura, coube ao líder do MST, João Pedro Stédile. Depois de saudar a mulher e uma das filhas de Florestan, que estavam presentes, falou da solidariedade entre as classes trabalhadoras e os movimentos sociais. Contou que nos próximos dias a escola abrirá suas portas para grupos de hip hop da periferia de São Paulo e, logo em seguida, para a Gaviões da Fiel ¿ a torcida organizada do Corinthians, o time de Stédile e do presidente Lula.