Título: Só Palocci sabe o que fez
Autor: Ricardo Noblat
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2005, Nacional, p. A10

Dado, como se viu, que Antonio Palocci goza de boa saúde e segue inabalável no comando da política econômica do País, só me resta alinhavar os fatos que desmontaram o equívoco aqui cometido no último domingo de que havia um corpo estirado no chão da Esplanada dos Ministérios à espera tão-somente da passagem do rabecão.

É verdade que adverti sobre a possibilidade de o rabecão demorar a passar ¿ mas, pouco importa. Afirmei que havia um corpo sem vida na grama que te quero verde do mais conhecido cartão postal de Brasília ¿ e o corpo voou para São Paulo, foi recepcionado na volta pelo atual presidente do Senado e por dois ex-presidentes, e calou a oposição.

A polícia paulista e o Ministério Público teimam em dizer que reúnem provas materiais da existência de caixa 2 e de contratos superfaturados na época em que Palocci governou Ribeirão Preto ¿ mas nada mostram. O processo corre em segredo de Justiça. Se irregularidades foram constatadas, a culpa é de ex-assessores do ministro.

Palocci jamais soube de algo ¿ como Lula também não. Ele foi claro no depoimento prestado a uma comissão do Senado: ¿Sei o que fiz e o que não fiz.¿ Por exemplo: disse que nada teve a ver com arrecadação de dinheiro para a campanha de Lula (porque não fez). Mas garantiu que ela não se beneficiou de dinheiro estrangeiro (porque sabe).

Entenderam a diferença? Talvez seja sutil para espíritos menos refinados.

Se ex-assessores de Palocci continuaram se relacionando estreitamente com atuais assessores dele, e se porventura fizeram lobby aqui e acolá, o Banco Central e outros órgãos do governo conseguiram a tempo barrar suas investidas. Se Palocci evita processar ex-assessores que o decepcionaram e magoaram, talvez aja assim por excesso de elegância.

Não seria justo jogar sobre eles o peso do Ministério da Fazenda, não é mesmo? O próprio peso de Palocci, pessoa física, seria demasiado. Muito menos seria justo pressionar a imprensa que se limita a cumprir seu papel. Explicações que ele dá a jornalistas muitas vezes são ignoradas ¿ mas o que fazer? Tudo vale a pena por uma imprensa livre.

É necessário que haja unidade no governo para que a política econômica ¿ da qual tantos reclamam sem razão ¿ produza bons resultados. A ministra Dilma Roussef, por exemplo, foi advertida por Palocci de que está errada. Mas ela é uma querida companheira. E o que importa é que Lula avaliza Palocci sem vacilar, embora pague caro por isso.

Na verdade, Lula deu sinais eloqüentes de apoio a Palocci desde o momento em que o viu acossado. Repreendeu Dilma em particular ¿ mas só para poupá-la de um embaraço público. Estranhou que auxiliar tão disciplinada como ela, incapaz de gesto temerário sem o consentimento superior, tenha dito o que disse a respeito da política econômica.

Em seguida, Lula emitiu nota onde defendeu com veemência a política econômica e seu principal executivo. Por fim, no dia do depoimento de Palocci no Senado, outra vez exaltou os feitos econômicos do governo ¿ e para provar sua identidade com o ministro fez questão de não citar o nome dele. Quem entendeu diferente é porque desconhece a alma de Lula.

Intimidada pela solidez da posição do ministro, sem argumentos para confrontar uma política inaugurada por ela mesma, que comportamento de baixo risco a oposição poderia ter adotado em tais circunstâncias? Fingiu combater o que aprova. E fugiu ao debate sobre falsas denúncias que ameaçam tisnar de leve ¿ mas só tisnar ¿ a imagem de Palocci.

Afinal de contas, quem melhor do que Palocci para saber o que fez e o que deixou de fazer? Confiemos nele, portanto, assim como Lula e o mercado financeiro confiam. E prestemos atenção ¿ isso sim ¿ no morto que resiste a baixar à cova chamado José Dirceu. Quem duvida da culpa dele? Quem duvida de que ele sabia de tudo? Está na cara.