Título: Histórias de perdão viram estímulo para o dia-a-dia
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2005, Nacional, p. A6

Quando conversa sobre sua condição, Dirceu fala de diversos exemplos semelhantes ¿ e finais felizes, surpreendentes. Lembra do destino do ex-governador de Goiás Iris Rezende. Em seu último mandato Iris foi denunciado por operações financeiras irregulares e acabou abandonado pelo eleitorado num pleito pelo governo. Numa eleição seguinte, para prefeito de Goiânia, vivia uma situação tão ruim nas pesquisas que se ofereceu para ser vice na chapa do PT. Desconfiado do candidato a aliado, o candidato petista preferiu correr sozinho, pelo temor de que Iris destruísse sua candidatura. Na contagem dos votos, Iris teve um apoio consagrador e levou o pleito. ¿A visão de todos na cidade é de que o povo o perdoou depois de puni-lo por uma eleição¿, diz. ¿É como se o eleitor dissesse: ele já pagou pelo que fez.¿ Em atos públicos, Dirceu fala de um exemplo mais dramático. Conta a história de um cineasta chileno que, conduzido ao estádio nacional logo após o golpe de Pinochet, escapou da morte quando o oficial responsável por sua execução se lembrou de seus filmes e decidiu perdoá-lo por conta deles. ¿Ele viveu por acaso¿, diz. ¿A vida é assim.¿

No corredor da morte política, Dirceu afirma que enfrenta o pior desafio dos últimos 20 anos. A realidade talvez seja mais sofrida. Ao longo de sua vida política Dirceu travou lutas claras. Perseguido, preso e banido pelo regime militar, colocava-se num campo e seu adversário político, em outro. A dor, em 2005, é que ele se encontra na iminência de perder os direitos políticos por obra de uma democracia que, após muitas autocríticas, idas e voltas, ele próprio ajudou a construir. Homem forte do PT antes mesmo que essa condição viesse a público, ajudou a colocar o partido na campanha pelas diretas-já em parceria com o PMDB de Ulysses Guimarães e Franco Montoro. O regime deixou Dirceu fora da vida política por 11 anos, de 1968 a 1979. Se for cassado, levará dez para disputar um novo cargo eletivo.

JANTAR

Entre assessores, vigora a convicção de que teria chances reais de sobrevivência se o próprio presidente Lula resolvesse patrocinar sua defesa. Dirceu diz que não tem do que reclamar. O último encontro com Lula foi um jantar social, os dois casais, há pouco mais de um mês. ¿Falamos dez minutos de política. Foi o suficiente.¿ Sempre atento às questões práticas, Dirceu dá mais importância ao que o presidente fala dele para os outros, em conversas que podem influenciar votos. ¿Ele tem feito comentários positivos para nossos amigos comuns¿, afirma.

Viajante incansável, Dirceu é capaz de recomendar o sanduíche que determinada companhia aérea serve no almoço ¿ e descartar o salpicão de galinha da concorrente, ¿daquele tipo que sempre dá problema¿. A guerra pelo mandato tem permitido alegrias gastronômicas, também. Num domingo desses, ele saboreou um cabrito preparado por Rui Falcão, jornalista que é um dos caciques do PT paulistano. Amigo da proprietária do Alice, considerado o melhor restaurante de Brasília, há pouco Dirceu e Maria Rita foram convidados para um banquete exclusivo, que começou com batata e caviar ¿para terminar com um pato maravilhoso e sobremesas divinas¿.