Título: Congresso não deixa verba do Bolsa Família ir para saúde
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/11/2005, Nacional, p. A13

A crise decorrente do embate entre os ministros Antonio Palocci (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil), provocou a primeira derrota do governo no Congresso num tema relativo ao ajuste fiscal. A Medida Provisória 261, que permitia à equipe econômica reduzir os gastos na área da saúde, foi modificada na Câmara, terça-feira à noite, sob o silêncio complacente da base governista.

A MP tratava do remanejamento de créditos orçamentários. Entre eles, transferia do Ministério do Desenvolvimento Social para o da Saúde o pagamento de mais R$ 1,2 bilhão do programa Bolsa Família. O objetivo do governo era contabilizar o valor como ação na área de saúde, de forma a ajudar a cumprir o piso constitucional.

Pela Constituição, os gastos com saúde devem crescer a cada ano conforme a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) do ano anterior. Esse é um dos grandes nós do orçamento que a equipe econômica tenta desatar. Como não tem força política para acabar com a regra constitucional, cria manobras orçamentárias para flexibilizá-la.

No orçamento aprovado pelo Congresso, a Saúde já havia incorporado R$ 937 milhões em projetos de saneamento do Ministério das Cidades e R$ 1,1 bilhão do Bolsa Família. Em março, o governo propôs transferir para a Saúde mais R$ 1,2 bilhão do Bolsa Família, mas o projeto foi rejeitado. Em 30 de setembro, editou a MP 261, que faz o mesmo remanejamento.

Apesar da rejeição da Câmara, o governo aproveitou que a MP estava em vigor e pagou R$ 2 bilhões do Bolsa Família pelo Ministério da Saúde. Só na segunda-feira, às vésperas da votação, foram pagos R$ 500 milhões.

A única forma de a oposição anular a manobra é aprovar decreto transferindo os pagamentos para o Ministério do Desenvolvimento Social, de forma retroativa, ou trocando a fonte desses pagamentos para o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. Por decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), despesas pagas com o fundo não podem ser contabilizadas no piso da saúde.

"Não podemos aceitar que se misturem ações assistenciais com ações da saúde. Se for preciso, vamos à Procuradoria da República e ao Supremo Tribunal Federal para que a Constituição seja cumprida", ameaçou o deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), da Frente Parlamentar da Saúde. Ele disse que o governo também tentou incluir as despesas com o Hospital das Forças Armadas e pagamento de pessoal dos hospitais universitários no cálculo do piso constitucional da saúde. "Isso é mais do que desvinculação disfarçada, é malandragem orçamentária."