Título: Canavial faz 13.ª vítima em Guariba
Autor: José Maria Tomazela
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/11/2005, Economia & Negócios, p. B7

A morte, a 13ª relacionada às precárias condições de trabalho dos migrantes, desde o ano passado, em canaviais paulistas, causou revolta e desencadeou a paralisação dos cortadores da Usina Bonfim, em Guariba, na manhã de ontem. Cerca de 250 trabalhadores, trazidos de outros Estados para o corte da cana, bloquearam a estrada de acesso aos alojamentos, impedindo a saída dos ônibus. Eles exigiam o acerto de contas e retorno imediato para as regiões de origem. "Do jeito que somos tratados, isso não vai parar", protestou o cortador Sidnei Oliveira. O corpo do trabalhador chegou de manhã para ser velado em Guariba e foi sepultado ontem à tarde no cemitério local. Dezenas de bóias-frias interromperam o trabalho para ir ao sepultamento. No atestado de óbito, constou que a morte foi causada por edema e hemorragia pulmonar. Familiares confirmaram que o morto sofria do mal de Chagas.

Lopes era de Berilo (MG), mas morava na cidade paulista havia mais de 15 anos. Ele cortava cana quando passou mal, pediu para descansar e, ao retornar ao trabalho, caiu na plantação. O cortador morreu na ambulância, a caminho do hospital. A usina assumiu as despesas do sepultamento.

Foi o segundo cortador de cana de Guariba a sucumbir nos canaviais. Em julho, tinha morrido Valdecy de Paula Lima, de 34 anos, que viera com a família do Maranhão. A maioria dos óbitos, entre eles o de uma mulher, ocorreu na região.

As mortes estão sendo investigadas por 13 órgãos públicos e entidades civis. Hoje, a pedido do procurador federal do trabalho da 15ª Região, Aparício Querino Salomão, deve ser exumado em Araçuaí (MG) o cadáver do cortador José Mário Alves Gomes, de 45 anos, morto em 21 de outubro num canavial da usina Santa Helena, do Grupo Cosan, na região de Piracicaba.

A suspeita de que os trabalhadores estejam morrendo por excesso de trabalho despertou a atenção da Organização das Nações Unidas. Duas missões de observadores da ONU estiveram na região para verificar as condições de vida dos canavieiros. Os grevistas da Usina Bonfim reclamam que elas são bastante precárias.

Segundo Oliveira, a empresa deveria ter liberado os safristas há mais de uma semana. "Não fizeram o acerto para nos segurar aqui." Ele disse que os cortadores, alojados há oito meses no meio dos canaviais, tiveram a assistência médica cortada e não recebem alimentação adequada. Ontem, depois de quatro horas de negociação, a usina concordou em liberar os cortadores neste fim de semana.

O presidente do Sindicato dos Empregados Rurais de Guariba, Wilson Rodrigues da Silva, foi até o local para mediar as negociações entre a empresa e os cortadores. Segundo ele, a usina pertencia à empresa Corona e foi adquirida, há cerca de um mês pelo Grupo Cosan.

Porém, o Grupo Cosan esclarece que não assumiu o controle nem participa da administração da Usina Bonfim em Guariba. Segundo a assessoria de imprensa, apenas um dos acionistas do grupo participa, indiretamente, do corpo acionário da usina, que continua pertencendo ao Grupo Corona.

O representante da usina, Waldemar Baccaro Júnior, negou as más condições de trabalho e de alimentação. Segundo ele, os cortadores assinaram contrato até o fim da colheita, que ainda não terminou. As condições de higiene dos alojamentos seriam de responsabilidade dos próprios alojados. Porém, a atuação de "gatos" na intermediação da mão-de-obra agrava as condições de trabalho dos migrantes.

Num dia marcado pelo velório do trabalhador e pela greve, um acidente por pouco não aumenta a tragédia. Um ônibus que levava 40 trabalhadores para o canavial tombou e três cortadores ficaram feridos, um deles em estado grave. O sindicato quer apurar se o veículo estava em condições de tráfego.