Título: Mundo começa a definir o futuro do Protocolo de Kyoto
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/11/2005, Vida&, p. A11

ENTREVISTA com Luiz Alberto Figueiredo Machado NEGOCIADOR-CHEFE DO BRASIL NA COP-11 Será aberta hoje em Montreal, no Canadá, a reunião que começa a definir o futuro do Protocolo de Kyoto - e, com ele, talvez, a do clima do planeta. A 11ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima deverá marcar o início das negociações sobre o segundo período de vigência do protocolo, a partir de 2012. O Brasil chega com a confiança de que está fazendo sua parte no combate ao aquecimento global e de que não há espaço para metas compulsórias de redução de emissões para os países em desenvolvimento.

"É algo que exigiria uma negociação extraordinariamente complexa, e todos perderiam muito com isso", diz Luiz Alberto Figueiredo Machado, diretor do Departamento de Meio Ambiente e Temas Especiais do Itamaraty, que será o negociador-chefe da diplomacia brasileira na conferência. Abaixo, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado por telefone, antes da viagem para o Canadá.

O que devemos esperar do encontro de Montreal?

Essa conferência tem uma característica muito importante que é a de ser a primeira Reunião das Partes do Protocolo de Kyoto. Com a entrada em vigor do protocolo, umas das tarefas básicas será a incorporação de toda a regulamentação que foi elaborada nas outras conferências ao longo desses últimos anos. Além disso, o artigo 3.9 do protocolo determina que as negociações para o segundo período de cumprimento (pós-2012) devem ter início neste ano. Portanto uma das coisas que terá de ser feita em Montreal é o lançamento dessas discussões.

Isso poderá incluir a negociação de metas de redução de emissões para os países em desenvolvimento, como o Brasil?

Quando se fala no segundo período de cumprimento, fala-se nas regras que estão em Kyoto. Não estamos falando em compromissos para países em desenvolvimento; fala-se apenas do anexo que trata das metas de redução de emissões dos países industrializados. Não há, no âmbito das regras de Kyoto, nenhuma possibilidade de uma discussão de metas para os países em desenvolvimento. O que há é um interesse muito grande de engajamento positivo por parte desses países no esforço global de redução de emissões.

Como deve ser esse engajamento?

A convenção prevê a possibilidade de que países em desenvolvimento queiram implementar programas que acarretem reduções de emissões; e também é muito clara quando diz que isso dependerá de ajuda financeira e transferência de tecnologia dos países desenvolvidos.

Como fica o Brasil nessa história?

O Brasil já faz parte desse esforço há muito tempo. Temos uma matriz de energia muito limpa e temos no nosso programa de álcool uma grande ferramenta de redução de emissões.

Qual deve ser a responsabilidade dos países pobres?

O princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, reconhece que os países em desenvolvimento têm como obrigação básica perante sua sociedade o crescimento econômico e social. E a própria convenção reconhece que, para isso, os países precisarão aumentar suas emissões. Há muitas maneiras de engajamento.

Mas não necessariamente com metas de redução de emissões?

Não se fala em metas. Hoje em dia, todas as conversas que tenho tido se afastam dessa idéia para países em desenvolvimento. Não há como introduzir isso. É algo que exigiria uma negociação extraordinariamente complexa, e todos perderiam muito com isso.

Os países desenvolvidos deverão adotar metas maiores de redução para o segundo período de Kyoto, além dos 5,2% atuais?

O primeiro período de compromisso de Kyoto foi sempre encarado como o primeiro passo. O segundo virá com o segundo período de compromisso, e temos a expectativa de que haja uma continuação do esforço do reduções e um aprofundamento desse esforço. É claro que as metas iniciais, designadas muitos anos atrás, precisam ser atualizadas.

GLOSSÁRIO

CONVENÇÃO DO CLIMA: Acordo internacional assinado em 1992 e ratificado por mais de 180 países, com o objetivo de evitar a mudança perigosa do clima pelo homem

PROTOCOLO DE KYOTO: Acordo adicional à Convenção. Os países mais ricos e industrializados têm de reduzir emissões de gases do efeito estufa em pelo menos 5% até 2012 (base nos índices de 1990)

COP: Conferência das Partes; o órgão máximo da Convenção, que anualmente discute temas relacionados às mudanças climáticas e ao Protocolo de Kyoto

MDL: Mecanismo de Desenvolvimento Limpo; instrumento que cria um mercado de créditos de carbono

EFEITO ESTUFA: Fenômeno natural e essencial à vida, que preserva a temperatura do planeta por meio de uma camada de gases atmosféricos (como os vidros de uma estufa)

GASES DO EFEITO ESTUFA: Aqueles que contribuem para o aquecimento do planeta; principalmente dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O)

AQUECIMENTO GLOBAL: Processo nocivo, relacionado ao agravamento do efeito estufa pelo acúmulo de gases na atmosfera, decorrente principalmente da queima de combustíveis fósseis pelo homem

MUDANÇAS CLIMÁTICAS: Conjunto de alterações do padrões climáticos em decorrência do aquecimento global. Os riscos incluem aumento do nível do mar