Título: O poupa/gasta do governo Lula
Autor: Suely Caldas
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2005, Economia & Negócios, p. B2

Poupar durante dois anos e gastar nos dois seguintes é a regra de todo político com mandato de quatro anos. É tentador para um presidente, governador ou prefeito, candidato à reeleição, pular a cerca e avançar nos cofres públicos à medida que a eleição se aproxima. Ele quer mostrar serviço aos eleitores, construindo usinas hidrelétricas, estradas, ferrovias, metrôs, pontes, viadutos, escolas, praças públicas, obras que lhe dêem visibilidade política, imagem de empreendedor, realizador. Obras tocadas por empreiteiras e inauguradas com festa, agrupamentos de populares, discurso/comício do realizador e seu nome impresso em placa de bronze. A eleição à frente define o calendário de inaugurações. Não há mal nisso. É até um direito do político, se o investimento for realmente necessário, prioritário, gerar desenvolvimento, progresso econômico e bem-estar para a maioria da população. E se o custo da obra for honesto, se a parceria político/empreiteira não cobrar o dobro do preço para garantir dinheiro público para a campanha eleitoral. Deveria ser diferente, é verdade. Esperar a eleição para inaugurar uma estrada é punir a população com a demora. Mas vá lá, se ele não desperdiçar nem roubar, já é lucro.

O governo Lula seguiu a regra, mas de forma rudimentar, confusa, desnorteada. Seja pela inexperiência em administrar o gigantismo do Brasil, seja por ter sido obrigado a expiar as culpas do passado de um discurso radical, populista e irreal, Lula poupou, mas também gastou ¿ mal e às avessas. Para expiar culpas e conquistar confiança radicalizou no primeiro ano. Cortou tudo o que podia em despesas, só abriu as portas de estatais para os companheiros petistas e de partidos aliados. Confiança restabelecida, começou a gastar a partir do último trimestre de 2003. Desde o início o superávit primário foi feito de forma selvagem, contingenciando verbas dos ministérios, sem preocupação de aplicar dinheiro em investimentos econômicos e sociais úteis para o País, independentemente do ministério. Gastou com o supérfluo. As viagens se multiplicaram, cresceu a folha de pessoal do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, o presidente reformou seu palácio e comprou avião novo. E por aí vai. Investimentos, ZERO. Despertou um tanto tarde e agora quer dinheiro para tocar obras e inaugurá-las antes das eleições de outubro de 2006.

Em entrevista na última sexta-feira, Lula foi taxativo: o superávit primário de 2005 não ultrapassará a meta de 4,25% do PIB. Isso significa que o governo tem R$ 26 bilhões para gastar em apenas um mês e meio. Como fará, se gastar implica planejamento prévio, cronograma de liberações? Assanhem-se, ministros, o Natal está próximo e Lula se vestiu de Papai Noel! Como não há tempo e a norma não permite transferir sobras do orçamento para 2006, o governo corre o risco de continuar gastando mal e desperdiçar dinheiro em situação de escassez. Francamente, não é assim que se administra seriamente um país.

Para piorar, o presidente Lula precipitou-se e antecipou o anúncio de sua candidatura à reeleição, nesta sexta-feira. Num governo mergulhado em denúncias de corrupção, investigado por três CPIs, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, credibilidade no chão, o presidente-candidato fica no olho do furacão, a oposição não lhe dará trégua, vai fiscalizar cada centavo aplicado, tudo o que ele fizer, cada obra pública que tocar será vista como ação de um candidato confesso que age não em favor do País, mas de sua candidatura.

Essa reviravolta de Lula em relação ao superávit primário pode custar caro ao País. Partir dele tal recuo prejudica a imagem de seriedade com gastos públicos que o ministro da Fazenda Antonio Palocci conseguiu recuperar a duras penas, com sacrifício da população, recessão e desemprego em 2003. Não esqueça Lula que 2006 é um ano eleitoral, sujeito a turbulências no mercado financeiro, que seu partido continua pregando o populismo do passado, ajudando a criar um cenário político frágil e propício à ação de especuladores. Se Palocci sair do governo, Lula mostrar disposição de relaxar com o controle fiscal e ceder a pressões do PT, o País passa a correr riscos em 2006.