Título: Semana feliz no mundo, mas não aqui
Autor: Alberto Tamer
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2005, Economia & Negócios, p. B14

Se dependesse da economia americana ou mundial ¿ nesta ordem ¿, o Brasil, envolto a tanta incerteza, estaria bem. Esta foi, no cenário internacional, uma ¿semana feliz¿. Os únicos indicadores negativos vieram da Europa, onde a Comissão Européia revisou o crescimento econômico de 2% em abril para 1,3%. Mas isso já era esperado. O mais importante é o que está acontecendo nos Estados Unidos. A transferência de presidentes do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) está sendo tranqüila e os indicadores econômicos são excelentes. Em vez de inflação, houve deflação de 0,3% no núcleo; o índice cheio aumentou só 0,7%. O desemprego recuou, a produção industrial, que parecia enfraquecer, retomou mais 0,9%.

Entre esses números amplamente divulgados, há um, extremamente importante, que ficou mais ou menos esquecido: em setembro a entrada líquida de capitais nos EUA chegou a US$ 101,9 bilhões, um novo recorde. A compra líquida privada de títulos americanos também bateu recorde, US$ 113,8 bilhões. Esses valores mais do que cobrem o déficit comercial americano de US$ 66 bilhões, em setembro.

Esses resultados levam a uma conclusão de máxima importância: por enquanto e ainda por algum tempo os EUA poderão financiar os seus déficits comercial e em conta corrente. Estão entrando mais dólares do que saem, o que tem uma dupla revelação: 1) os investidores internos e externos continuam confiando na economia do país; 2) eles não estão vendo a melhor opção para aplicar.

E os emergentes? Este é um sinal de certo conforto para os países emergentes que financiam suas dívidas e necessidades de recursos no mercado internacional. Mas os analistas alertam que há risco de redução dos capitais disponíveis para esse mercado ¿ rendem mais, porém são muito mais arriscados ¿, mesmo que o Fed aumente a taxa de juros, digamos, para 4,5% em 2 meses. Por ora, há pouco a temer.

Por quê? Os investidores estão satisfeitos com o rendimento dos papéis do Tesouro americano, que aumentaram um pouco após o relatório sobre o afluxo líquido de capitais. Entrarão mais se a remuneração aumentar, e sinalizam que não pretendem reduzir o que estão aplicando em títulos dos países emergentes; mas eles terão de pagar mais. Para o Brasil, continua havendo a significativa diferença entre o juro interno e o externo, o que no mercado é chamado de ¿arbitragem¿, tornando muito atraente entrar no País por algum tempo para aproveitar essas taxas.

RISCO É LONGÍNQUO

E chegamos ao segundo ¿ponto de felicidade¿.

Greenspan, ainda presidente do Fed, fez uma declaração mal interpretada. Disse que os dois déficits preocupam, mas ¿ e aqui a ênfase que faltou ¿ por enquanto, não; eles continuam sendo financiados com facilidade, como revelou o fluxo de capitais em setembro. Frase textual de Greenspan: ¿Até agora, a despeito de o déficit em conta corrente exceder a 6% o nosso produto interno ¿ ou, mais exatamente, as entidades econômicas que compreendem a economia dos EUA ¿, estamos experimentando poucas dificuldades em atrair a poupança requerida para financiá-lo, como evidencia a recente pressão de alta do dólar.¿

Mas ele está indo embora... Sim, mas aqui o segundo ¿ponto de felicidade¿; seu sucessor já aprovado pelo Congresso, Ben Bernanke, repetiu que continuará mantendo a política do antecessor, de administrar o juro tendo em vista o duplo objetivo de conter a inflação e, ao mesmo tempo, aplicá-la em dose tal que não restrinja o crescimento. Nada vai mudar.

IMÓVEIS

Os indicadores desta semana tranqüilizam a curto e médio prazos. Por quê? O crescimento nos EUA continua sendo sustentado pelo consumo interno e, neste, desponta mais uma vez o setor imobiliário, que vem se expandido há mais de três anos.

Qual o seu peso? Esse setor gera anualmente cerca US$ 2 trilhões, valor estimado pelas empresas que operam na área; isso engloba tudo o que é usado na construção, incluindo o material importado. A esse valor, aquelas empresas agregam mais US$ 2 trilhões decorrentes de compras de bens, mobílias, aparelhos elétricos de todo tipo, um número enorme de produtos.

Atentem a mais estes números: 1) O PIB dos EUA é de US$ 11,.5 trilhões; 2) Desse total, 70%, ou US$ 8 trilhões, são gerados internamente; 3) Destes, US$ 4 trilhões na construção de imóveis e compras paralelas. A nível das estimativas, o setor imobiliário representa 50% do PIB gerado no mercado interno ou cerca de 35% do PIB.

E se a bolha estourar? Essa pergunta foi feita a Bernanke esta semana; ele repetiu a posição de Greenspan e o que havia dito em fevereiro, quando presidia o conselho econômico da Casa Branca: ¿Um esfriamento moderado do mercado imobiliário, se ocorrer, não será inconsistente com o crescimento continuado (da economia) a curto prazo e a longo termo no próximo ano.¿

Tem bolha? Tem, mas não explode já. Por quê? Porque este é um processo lento, facilmente previsível; quando ocorrer, já terá gerado, em contrapartida, bens fixos que na sua construção geraram empregos alimentadores do consumo interno.

Então, está tudo bem? Lá fora, sim. Não poderemos culpar o mundo se no Brasil, inconstante e volátil, o cenário é outro. Se piorar aqui, a culpa é nossa, não deles. Não dá para mudar, impunemente, agora.