Título: Quem vai embora leva muitas malas e desilusão
Autor: Irany Tereza, Luciana Garbin
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/11/2005, Metrópole, p. C10

No Terminal Rodoviário Tietê, em São Paulo, o casal Maria e Severino Nascimento acomodava 134 quilos de bagagem no ônibus. "Roupas, sapatos, brinquedos das crianças e três TVs", contou Maria. "O resto a gente mandou por transportadora." O destino das malas e deles é Nova Cruz, no Rio Grande do Norte. Mesmo tendo trabalho em uma padaria e uma firma de segurança, preferiram voltar à terra natal depois de cinco anos na capital. "São Paulo é uma cidade muito ruim, sem segurança e privacidade", diz Maria. De lembranças, a família levou apenas uma toalha de banho com o brasão do Corinthians e a saudade de um irmão assassinado. Saudade também sentia outro Severino, o Soarez, ao deixar a mulher e as duas filhas pequenas no ônibus que ia para Currais Novos. Ele trabalha como copeiro no restaurante Rubayat, um dos mais conhecidos da cidade. "Elas não gostaram de São Paulo. Eu consegui um trabalho bom e queria dar a elas um padrão de vida como o dos meus clientes do restaurante, mas ainda estou longe disso e não sei quando vou vê-las de novo", dizia.

Todos os dias, cerca de 30 mil pessoas partem da rodoviária para outros Estados. "Quando vêm com 10 ou 12 malas a gente já sabe que é mudança", diz o carregador Gilvan do Nascimento, há 16 anos no terminal.

Nem só de São Paulo saem os viajantes. Mara e Sandro Vieira deixaram Porto Alegre para voltar a Paulo Afonso, na Bahia. Com eles, foram o filho Vinícius e os amigos Júlio e Edja Marques, com o filho Jonathan. "Eu prestava serviço para a Petrobrás, mas o trabalho acabou e decidi voltar. Vendemos tudo e estamos levando só as roupas", conta Sandro - com sua pilha de malas de 1,70m.

OS QUE FICAM

Quatro pequenos barracos. Cinco famílias interligadas. Dezesseis pessoas. Na matemática da pobreza dos migrantes que ficam em São Paulo, sobra gente, falta todo o resto e o resultado é um dia-a-dia que lembra a vida no início do século 20. Ivanildo da Silva Ferreira, de 7 anos, conta nos dedos as vezes em que esteve sob um chuveiro - sempre na casa dos outros. "Foi divertido", disse ele, que vive fugindo dos banhos de bacia. A prima, Elaine Cleonice de Santana, de 15 anos, já se acostumou a não ter banheiro em casa.

Os barracos ficam na calçada, ao lado da movimentada Rua Domingos Veiga, na Vila Brasilândia, zona norte. As famílias vivem ali há cerca de cinco anos. "Meu avô morava aqui. Quando morreu, viemos para o enterro e ficamos", lembra a pernambucana Elaine.