Título: SP acolhe menos e expulsa mais
Autor: Irany Tereza, Luciana Garbin
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/11/2005, Metrópole, p. C10

Estudo com base no IBGE aponta que fragmentação na rota da migração reduziu saldo de entradas e saídas na região metropolitana

A região metropolitana de São Paulo, que desde a década de 1960 é o principal pólo de atração de migrantes do País, é hoje também o maior centro de expulsão de habitantes. A mudança, consolidada a partir de meados dos anos 1990, é uma das principais alterações no fluxo migratório e veio no rastro da desconcentração econômica, do boom do agronegócio e da crise do desemprego. O Censo de 1991 revelou que São Paulo havia adotado mais 745 mil residentes nos cinco anos anteriores. No de 2000, o saldo no mesmo período de tempo caíra para 340 mil. Além de a roleta ter girado um pouco menos na entrada, a saída foi de mais de 880 mil pessoas.

"Entre os Censos de 1991 e 2000, observa-se aumento no fluxo de saídas de São Paulo, que consiste, em grande parte, no retorno dos migrantes e em novas etapas migratórias, principalmente para o Centro e o Sul, impulsionadas pela agroindústria", diz Fernando Albuquerque, gerente do projeto Componentes da Dinâmica Demográfica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A "correção de rota" do deslocamento populacional vem ocorrendo paralelamente às mudanças do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados, que determina a importância de cada um na economia nacional. Na década de 1970, a Região Sudeste respondia por 65% do PIB; em 2000, caiu para 57,8%. Para se ter uma noção da riqueza da região, em 2000 cada ponto porcentual equivalia a cerca de R$ 11 bilhões. Em sentido inverso, a participação do Centro-Oeste, cresceu de 3,7% para 7%.

O próximo censo, em 2010, deve acentuar o fenômeno de mudança, segundo especialistas. "Ninguém mais faz como na época em que a família do presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu inteira de Garanhuns (Pernambuco) em direção a São Paulo. Naquele tempo, a única forma de se mover socialmente era movendo-se geograficamente", diz Fausto Brito, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Hoje, a maioria parte sozinha e depois volta para buscar a família.

O Sudeste, em especial São Paulo, continua o principal destino, mas já há uma pulverização de rotas, com deslocamento entre os próprios Estados do Nordeste - tradicionalmente, a região com maior saída de população - que ganharam novos investimentos industriais . O Ceará, que entrou na guerra fiscal, atraindo indústrias em troca de incentivos, é a unidade que mais se destaca na região. Recebeu 163 mil pessoas, segundo o Censo de 2000. De acordo com cruzamento de dados do IBGE, 48,5% desse contingente se refere a cearenses que estavam em outros Estados.

O País está passando por nítida mudança no padrão territorial, mostra estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segundo a pesquisa, feita com base em dados do IBGE e descrita no livro Brasil: o Estado de uma Nação, do ponto de vista migratório, as grandes correntes anteriormente originárias do Nordeste e de Minas com destino a São Paulo e Rio tomaram outros rumos.

"Nas últimas décadas, o Estado de Minas, que, durante mais de um século, perdeu muito de sua população, reverteu essa situação em razão da diversificação de sua economia e do crescimento de sua rede urbana", diz o professor Clélio Campolina, da UFMG, um dos coordenadores do estudo. O Nordeste continuou perdendo população, mas os fluxos foram alterados, tanto em termos de origem como de destino. Muitos migrantes saem de um Estado para outro na própria região. O Norte, que nas últimas décadas vinha atraindo migrantes, viu o fluxo ser reduzido e a migração intra-regional, ampliada.

AGRICULTURA

Para a agroindústria do Centro-Oeste partem, principalmente, pessoas do Sul. "Estamos presenciando, no deslocamento da fronteira agrícola, algo muito semelhante à marcha para o Oeste que ocorreu no território americano", diz Campolina. Ele considera, porém, que as mudanças estão ocorrendo de forma desordenada e seria necessária uma intervenção do Estado, criando novos centros urbanos, para impedir a repetição de erros, como a multiplicação de favelas e da pobreza.

O deslocamento demográfico entre os Estados envolve cerca de 10% da população, ou 18 milhões de pessoas. Essa proporção não sofreu grandes alterações nas últimas décadas.

A população que se move em levas de uma região a outra do País obedece a motivos variados segundo as condições históricas, destaca Fausto Brito, especialista em estudos demográficos. Ele lembra, porém, que há uma causa sempre presente nesse fluxo, independentemente da época em que ocorre: "O deslocamento acontece na perspectiva de encontrar emprego, ocupação." Como o fenômeno é estrutural, as mudanças são sempre muito lentas, não refletem de imediato alterações de conjuntura.

Mas ele é categórico ao afirmar que não se repetirá no Brasil outro movimento em massa rumo a uma mesma região, como nas décadas de 1970 e 1980 para as cidades de São Paulo e Rio.

"Nenhum Estado será capaz de replicar o poder de atração delas naquela época. Mesmo com as mudanças, podemos dizer que o movimento não chegará a um décimo do que foi aquela migração. No auge do processo, a região metropolitana de São Paulo chegou a receber, na década de 1970, 3,2 milhões de pessoas, um terço delas vindas do Nordeste."

LUTA: Aos 18 anos, Everton da Silva Santos, o Pia, seguiu o exemplo de 2 dos 11 irmãos e deixou Raimundo Nonato (PI) para tentar a vida em São Paulo. Veio com a idéia de voltar, mas a época era boa de emprego e foi ficando. Só pisou de novo na cidade natal uma vez, a passeio.

No dia 8, passou-lhe pela cabeça que nunca deveria ter nem saído do Nordeste. Um forte temporal e serviços mal-feitos de terraplenagem fizeram terra dos Altos da Vila Prudente, na zona leste, desbarrancar em direção ao São Roberto, ocupação onde vive com a família. A lama e o lodo invadiram o cômodo. A água atingiu 1,5 metro e o obrigou a deixar os cinco filhos nas casas do irmão e do vizinho.

Pia tem 37 anos e vive com outras 3 mil famílias, a maioria migrantes nordestinos, numa área verde ocupada ilegalmente há 20 anos. Ele passou a semana tentando limpar a casa, enquanto a mulher cuidava da filha, que pegou alergia na água contaminada.

E o futuro? "Quando a gente é novo, quer vir para trabalhar e conseguir alguma coisa. Chega, constitui família, mas é vida sofrida. Mas fazer o que lá no Nordeste? É mais difícil ganhar o pão." Com os bicos de pedreiro, Pia recebe R$ 20,00 por semana.