Título: Brasil defende, na ONU, a criação de órgão gestor da web
Autor: Otávio Dias
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/11/2005, Economia & Negócios, p. B10

Proposta contrária aos Estados Unidos tem apoio dos países da União Européia, da China e do Irã

A polêmica sobre como a internet deve ser gerida promete dominar a Cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a Sociedade da Informação, que começará hoje em Túnis. Mais de 10 mil líderes políticos, representantes de governos, associações e organizações não-governamentais devem participar da reunião, que termina na sexta-feira. A reunião foi convocada pela ONU com o objetivo de reduzir o fosso digital que separa os países ricos dos países pobres ou em desenvolvimento, mas é possível que as divergências sobre o controle da rede atrapalhem e comprometam o resultado da reunião.

Nas reuniões preparatórias, realizadas desde domingo até ontem, foi sugerida a criação de um Fórum de Governança da Internet, do qual participariam representantes de governos e de associações e empresas envolvidas com a questão da internet, com o objetivo de tornar a administração da rede mais multilateral, internacional e transparente.

O Brasil é um dos principais defensores desse Forum de Governança, junto com outros países em desenvolvimento como China e Irã. Os Estados Unidos, que criaram a rede mundial de computadores e hoje detêm o controle sobre a internet, embora não de forma direta e ostensiva, relutam em abrir mão dessa prerrogativa em prol de um orgão internacional, fortemente influenciado pelos governos e sob o guarda-chuva da ONU.

Atualmente, uma organização privada sediada na Califórnia, chamada Icann (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), é responsável por registrar os domínios e códigos que possibilitam o tráfego pela rede. Também é responsável pela gestão dos servidores centrais que controlam a internet.

PRESSÃO

Os EUA afirmam que o Icann trabalha independente do governo. Mas com o crescimento da rede e sua importância cada vez maior para o desenvolvimento e para a economia global, aumenta a pressão pela criação de um organismo internacional para coordenar a gestão da rede.

O Brasil é um dos líderes da proposta de criação do Fórum de Governança da Internet, que foi objeto de intensa negociação e discussão nos dois últimos dias, nas reuniões preparatórias.

Ontem, o embaixador Antonino Marques Porto, que representa o Brasil nas negociações, comemorava a criação do fórum. "Já foi tomada a decisão", afirmou. Mas um representante da delegação americana negou que houvesse acordo. "Nada foi decidido ainda", garantiu.

Entretanto, os EUA estão claramente em uma situação difícil. Na Cúpula que começa hoje, a União Européia (UE) decidiu apoiar a proposta de criação de um novo organismo. "O apoio da UE mudou a balança a nosso favor", disse Porto, sugerindo que os EUA não terão como impedir uma mudança na forma de administração da internet.

FUNÇÕES

Mas até o início da noite de ontem não estava claro como seria a relação entre o Fórum de Governança da Internet e o Icann, nem exatamente como o novo órgão funcionaria e quais suas atribuições.

O Fórum deve ser criado no primeiro semestre de 2006 pelo secretário-geral da ONU e uma primeira reunião deve ocorrer ainda no próximo ano. Partidários do Fórum dizem que o crescimento global da internet trouxe desafios que exigem um esforço internacional, multilateral e organizado para tornar a rede mais democrática e segura. Entre eles estão o investimento em infra-estrutura para baratear o acesso à rede em países pobres, o combate coordenado aos spams, vírus e outras pragas digitais, a regulamentação do comércio online internacional, a proteção à liberdade de expressão no ciberespaço. Atualmente, não há um órgão que se debruce e tome decisões sobre essas questões.

Apesar de ainda não estar claro o real avanço que resultará da Cúpula da ONU sobre a Sociedade da Informação, Yoshio Utsumi, secretário-geral da União Internacional de Telecomunicações, órgão ligado à ONU que organizou a Cúpula, demonstrou otimismo.

"Quando iniciamos esse processo há sete anos, ninguém sabia que um país estava controlando tudo. Agora isso está transparente e vocês estão discutindo", afirmou Utsumi.