Título: Frágil querer do poder
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/11/2005, Nacional, p. A6

A questão não é se Lula quer, mas se Palocci pode continuar no ministério O presidente Luiz Inácio da Silva pode dar uma, duas, mil entrevistas, fazer outros tantos discursos em defesa do ministro da Fazenda que isso não alterará uma vírgula o destino de Antonio Palocci, hoje muito mais dependente das ações da polícia e do Ministério Público paulistas do que dos desejos do presidente.

Na segunda-feira, policiais e procuradores anunciaram que, não fosse o foro privilegiado do ministro no Supremo Tribunal Federal, eles já poderiam pedir à Justiça o indiciamento de Palocci por peculato e formação de quadrilha.

Segundo eles, há provas de ocorrência de superfaturamento em contratos de prestação de serviços de lixo na prefeitura de Ribeirão Preto durante a gestão de Antônio Palocci como prefeito, entre 2001 e 2002. De acordo com palavras já ditas por seu ex-assessor Rogério Buratti, em público nas CPIs, e em caráter privado na polícia e no Ministério Público, a parcela "super" do faturamento servia para abastecer o caixa do PT.

Diante de fatos dessa ordem, valem muito pouco as vontades. Mesmo as habilidades política, verbal, mental e pessoal do ministro da Fazenda, expostas na primeira entrevista na qual abordou o assunto das denúncias meses atrás, já não são mais suficientes.

O ministro - nada afeito às fantasias megalômanas do chefe - obviamente foi o primeiro a perceber a gravidade e a natureza do drama. Deixa que o governo faça papel de néscio inventando uma discussão sem nexo sobre a política econômica e ele mesmo fica mudo feito peixe.

Se Palocci tivesse argumentos que lhe permitissem repetir o desempenho da entrevista anterior, evidentemente teria se posto à frente do problema de imediato, como da outra vez quando não esperou o amanhecer da segunda-feira para analisar o quadro. As denúncias circularam de sexta-feira para sábado e no domingo ao meio-dia Palocci já estava se explicando muito bem diante de câmeras e microfones.

Agora deu-se o inverso. Buratti confirmou que o ministro e então prefeito sabia de doações ilegais de bingos para a campanha de Lula e Vladimir Poleto vestiu figurino de réu na CPI dos Bingos faz uma semana e tudo o que Palocci fez foi sumir.

Reapareceria ontem para se reunir com o presidente da República e decidir o que fazer: tomar a iniciativa de sair enquanto é tempo de separar a figura de um ministro da Fazenda à beira do indiciamento judicial da condução da economia, ou deixar para sair depois, aos farrapos como José Dirceu, que optou pela desmoralização no cargo.