Título: Fraudes nas auto-escolas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/11/2005, Notas e Informações, p. A3

As regras para a obtenção da carteira nacional de habilitação tornaram-se mais rígidas, desde setembro, quando entraram em vigor as novas normas estabelecidas pela Resolução 168, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). O objetivo era melhorar a formação dos motoristas e, para isso, tornou-se obrigatória para todos os candidatos a freqüência comprovada em 15 horas-aula práticas e 30 horas-aula teóricas antes do exame. A resolução estabeleceu também novos conceitos de erros eliminatórios nas provas de direção. Meses antes de as novas regras entrarem em vigor, o presidente do Sindicato das Auto Moto Escolas e Centros de Formação de Condutores, Magnelson Carlos de Souza, que participou da câmara temática do Contran, responsável pela definição das regras, já alertava que a fiscalização seria indispensável para que a mudança no processo de obtenção da carteira de habilitação trouxesse resultados. Na época, Souza considerava a possibilidade de haver ?uma venda indiscriminada de certificados? se as medidas não fossem acompanhadas de efetiva fiscalização.

Ele sugeria que as regras só entrassem em vigor quando as auto-escolas e centros de formação de motoristas instalassem o sistema de controle de identificação digital, capaz de comprovar que os alunos freqüentaram as aulas e não apenas pagaram por elas para conseguir a carteira de motorista. O equipamento de leitura digital, que deveria ser usado no início e no final de cada aula ou exame, também impediria que uma pessoa fizesse as provas no lugar de outra.

A resolução entrou em vigor em setembro e o sistema, chamado de biometria digital, foi adotado no mês passado. Ao contrário do esperado, no entanto, as falcatruas que sempre existiram no processo de emissão de carteiras de habilitação resistiram até mesmo à tecnologia. O sistema de biometria, segundo denúncia do próprio sindicato das auto-escolas, vem sendo burlado por pelo menos metade dos 700 estabelecimentos desse tipo existentes no Estado.

Uma brecha na legislação foi encontrada pelos proprietários das auto-escolas, que passaram a enquadrar os candidatos a motoristas na categoria ?exceção digital?, condição que deveria ser utilizada apenas para aqueles que tivessem impressões digitais pouco profundas ou mãos calejadas. A exceção se transformou em regra.

Classificados indiscriminadamente como exceções, os candidatos que procuram por essas auto-escolas ficam livres do controle biométrico, único sistema que poderia assegurar que eles cumpriram as horas-aula exigidas para a obtenção da carteira de habilitação.

Com a manobra, as auto-escolas não têm o custo com monitores e, assim, podem oferecer carteiras de habilitação infinitamente mais baratas aos candidatos, que, sozinhos, estudam para o exame teórico e decidem o quanto querem treinar ao volante antes do exame prático. As auto-escolas que seguem a regra acabaram ?fazendo papel de boba?, segundo o presidente do sindicato, Magnelson Carlos de Souza.

O Detran diz estar atento à questão, mas é preciso mais do que isso. Fiscalização rígida nesse setor tradicionalmente envolvido em escândalos de venda de carteira de habilitação é fundamental.

Num país onde anualmente são registrados 1,5 milhão de acidentes, que provocam a morte de 34 mil pessoas, a melhor formação dos novos motoristas é questão que precisa ser tratada com seriedade. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), realizado em 2003, revelou que a saúde pública gasta, com atendimento às vítimas de acidentes de trânsito nas áreas urbanas, R$ 5,3 bilhões por ano. Esse total pode dobrar, se considerados os acidentes em rodovias.

Os centros de formação de motoristas são o ponto de partida para a redução da violência no trânsito. Mas só desempenharão o papel que lhes cabe se seus proprietários conseguirem enxergar nesse negócio mais do que uma simples fonte de renda. Os centros têm um importante papel social e está mais do que na hora de o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) exigir que isso seja cumprido.