Título: Tempestade sobre o açúcar europeu
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/11/2005, Economia & Negócios, p. B5

A indústria açucareira européia, que já era superprotegida, vai ser reformada e, dizem alguns, desmantelada. Já se prevê que algumas indústrias açucareiras vão desaparecer completamente em certos países europeus (Itália, por exemplo). A França e a Alemanha, que possuem estruturas mais sólidas, deverão suportar o choque. Por que a União Européia aceitou, não sem ¿choro e ranger de dentes¿, recolocar em questão os dispositivos que durante tantos anos permitiram que sua indústria açucareira prosperasse à revelia das leis do mercado? A primeira razão é que vai ser reaberta em Hong Kong a negociação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em uma reunião crucial, mas que corria o risco de se tornar um fracasso absoluto se a Europa não consentisse antes em reformar sua política agrícola, esta PAC que protege os agricultores europeus. Assim, os europeus, metralhados por queixas (pertinentes) sobre o ¿protecionismo¿ agrícola regido pela PAC, decidiram ceder no quesito açúcar para tentar salvar a PAC.

A segunda razão é que a hiperproteção desfrutada pelos produtores de açúcar europeus, e, por tabela, pelos produtores de açúcar dos países da zona África-Caribe-Pacífico (ACP) que são associados aos produtores europeus, estava se tornando insuportável para os outros grandes produtores de açúcar. Brasil, Tailândia e Austrália tinham dado um prazo até maio de 2006 para os 25 países europeus retificarem seus dispositivos de apoio do açúcar europeu.

Os números são eloqüentes: os preços garantidos pela UE se estabilizaram em 632 por tonelada, isto é, quase três vezes os preços mundiais, em torno de 212 por tonelada. Tamanha distorção, num mundo que fala em livre comércio, é absolutamente extraordinária. É por isso que a Europa está trilhando o caminho do ¿arrependimento¿: dentro de quatro anos, o preço da tonelada de açúcar na Europa será levado a 400. De imediato, a produção européia seria reduzida em 5 milhões de toneladas, enxugando suas exportações.

A pílula é amarga para os produtores europeus ¿ beterrabeiros e açucareiros. Ela o será muito mais para os produtores da zona ACP que gozavam das mesmas vantagens dos europeus em virtude de um acordo firmado há trinta anos com a UE. Enquanto as economias européias são muito diversificadas, os países da ACP freqüentemente se sustentam com alguns produtos apenas, entre os quais a cana-de-açúcar e o açúcar.

Jamaica, Ilhas Maurício, Guiana e Fiji, entre outros, estão inquietos. Como a maioria dos outros produtores da ACP, eles exigem compensações da UE. Estima-se que a Europa terá de distribuir centenas de milhões de euros se quiser amortecer o choque da reforma sobre essas economias já precárias.

Ora, a UE já pretende criar um fundo de reestruturação de 5,5 bilhões para sustentar as indústrias açucareiras européias que vão ser forçadas a fechar suas portas. É o que explica a desconfiança e o temor dos países da ACP de que as compensações que a UE lhes poderia conceder a partir de 2006 e 2007 serão insuficientes. Georges Bullen, embaixador dos países da ACP para o açúcar, ameaçou entravar as negociações em curso na OMC: ¿A UE¿, disse ele, ¿não deve esperar progredir na reunião de Hong Kong sobre as costas dos países da ACP.¿