Título: Nem rascunho de Lamy é aprovado
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/11/2005, Economia & Negócios, p. B5

O rascunho da declaração de Hong Kong, proposto no sábado pelo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, corre o sério risco de não ser aprovado pelos países em dezembro, quando a entidade realizará sua reunião ministerial na cidade asiática. Ontem, depois de dez horas de reuniões, os governos não conseguiram chegar a um consenso sobre qual será o futuro da declaração de Hong Kong. ¿Foi uma tragédia¿, afirmou o embaixador do Brasil na OMC, Clodoaldo Hugueney. Para muitos países emergentes, os culpados são os europeus, que se recusam a mostrar flexibilidade nos temas agrícolas. No sábado, Lamy apresentou aos 148 países da OMC o que ele acredita ser o rascunho da declaração da conferência ministerial. De concreto, porém, o documento apenas reconhece que Hong Kong não conseguirá concluir o trabalho previsto de apresentar uma fórmula sobre como devem ocorrer as liberalizações dos mercados agrícolas e industriais. Pelo texto, uma nova reunião ministerial deve ocorrer em 2006.

O problema é que a declaração traz as várias propostas apresentadas pelos países em termos de cortes de tarifas de importação de produtos industriais e de redução de subsídios agrícolas. O documento, porém, não toma uma posição a favor de uma sugestão ou outra e apenas evidencia o que existe sobre a mesa de negociação. Os países emergentes querem que o texto sobre a redução de tarifas agrícolas também traga as várias propostas feitas pelos países e que não são objeto de consenso. ¿Isso seria uma forma de equilibrar o texto¿, apontou um diplomata indiano. O Brasil, por exemplo, quer um corte de 54% nas tarifas dos países ricos, enquanto os europeus aceitam um corte de apenas 39%.

Para tentar fazer o processo avançar, os diplomatas tentarão, nos próximos dias, convencer os europeus a aceitarem a inclusão de alguns pontos no texto agrícola que será enviado aos ministros. Entre eles, a questão da fórmula dos cortes de tarifas e a existência de flexibilidades para os países emergentes.

Ontem, diplomatas que estavam dentro da sala de reunião revelaram ao Estado que o embaixador de Bruxelas na OMC, Carlo Trojan, deixou claro que a UE se recusaria a falar sobre números para os cortes de tarifas agrícolas em Hong Kong. ¿Os europeus deixaram claro, mais uma vez, que não estão dispostos a se mexer. As coisas vão mal¿, afirmou um diplomata mexicano.

Isso significaria que o texto proposto por Lamy sequer poderia mostrar quais são as propostas feitas pelos diferentes países. ¿Se isso for mantido até Hong Kong, não dá para entender para que ter uma conferência ministerial. A reunião tem um caráter negociador, mas se as posições forem mantidas inflexíveis, não há porquê ter a reunião¿, alertou Hugueney. Os embaixadores têm agora até a próxima sexta-feira para chegar a algum resultado. Isso porque os ministros voltarão a Genebra nos dias 2 e 3 de dezembro, para uma última tentativa desesperada de conseguir um acordo antes de Hong Kong.