Título: A difícil entrada da Venezuela no Mercosul
Autor: Nilson Brandão Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/11/2005, Economia & Negócios, p. B6

A festejada adesão da Venezuela ao Mercosul não será um processo fácil. Antecipada em discursos eufóricos pelo presidente venezuelano Hugo Chávez e confirmada pelo Uruguai, que preside o bloco neste semestre, a iniciativa deverá ser oficializada na 28ª Reunião de Cúpula do Mercosul, nos dias 8 e 9 de dezembro, em Montevidéu. A assinatura do pedido de adesão tenderá a ser assinalada como um ¿desafio cumprido¿ da política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ocultar o fato de seu governo ter deixado ao léu os dilemas internos do Mercosul, em favor da expansão do bloco. Mas, até a Venezuela se tornar membro pleno e tomar parte das decisões conjuntas de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, ainda haverá muita negociação.

Será o primeiro caso de incorporação de um novo sócio pleno ao Mercosul, desde a sua constituição em 1991, com a assinatura do Tratado de Assunção ¿ com as regras básicas e objetivos de firmar-se como área de livre comércio, união aduaneira e, depois, mercado comum. Nem mesmo o Chile e a Bolívia, que têm acordos de liberalização comercial com o bloco desde 1996, chegaram tão longe.

Ingressar na união aduaneira significa abdicar do poder de definir tarifas de importação e de conduzir individualmente sua política comercial em favor da atuação conjunta com seus parceiros e do respeito da Tarifa Externa Comum (TEC). O Chile, por exemplo, teria de elevar suas alíquotas de importação para adequar-se à TEC, o que interferiria na sua lógica de economia mais aberta.

Para a Venezuela, portanto, essa adequação será obrigatória. Mas poderá ser feita em um período de transição, ainda não definido. O problemas, para Caracas, será justificar as novas responsabilidades ao outro bloco no qual faz parte, a Comunidade Andina de Nações (CAN).

Dois especialistas em negociações comerciais, o embaixador José Botafogo Gonçalves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, e o argentino Félix Peña, diretor da Fundação BankBoston, ressaltam que haverá mais desafios na negociação entre a Venezuela e o Mercosul e enumeram todos os requerimentos para que um país possa ingressar no bloco. A rigor, a Venezuela cumpre a exigência de ser um país da Associação Latino-americana de Integração (Aladi). Também teria o aval de todos os quatro sócios do bloco, que devem decidir a nova adesão por consenso. Mas são esperadas dificuldades para a aprovação do documento que sacramentará o ingresso da Venezuela no Mercosul pelos Congressos dos cinco países.

A problema será concluir o documento, já em negociação. Não se trata só de decidir como serão os programas de liberalização comercial da Venezuela com os sócios do Mercosul ¿ facilitados pelo acordo firmado entre o bloco e a CAN ¿ nem como as tarifas aplicadas aos outros países gradualmente se alinharão às da TEC.

Mas sim de definir como a Venezuela vai incorporar os calhamaços de acordos e protocolos em várias órbitas, como previdência, saúde, serviços, compras governamentais. Especialmente, como Chávez vai cumprir a cláusula democrática ¿ o instrumento mais relevante para garantir a estabilidade institucional da região ¿ com seu projeto de continuar presidente.

Para o Mercosul, o Brasil em particular, agregar um país com liquidez suficiente para comprar bônus emitidos pelo Argentina e para embarcar em projetos conjuntos na área energética com seus novos parceiros não é mau negócio. Pois o preço do petróleo deve continuar alto.