Título: Superávits do Brasil incomodam
Autor: Nilson Brandão Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/11/2005, Economia & Negócios, p. B6

O Brasil fechará o ano com o maior superávit histórico com os parceiros do Mercosul, de US$ 4,5 bilhões, segundo projeção da Fundação Centro de Estudos em Comércio Exterior (Funcex), o terceiro consecutivo, depois de uma série de déficits anuais. Vinte anos depois da concepção original, o acordo sofre uma onda de protecionismo da Argentina contra o avanço brasileiro e críticas dentro do próprio País. As principais reclamações de exportadores e especialistas são quanto às concessões exigidas pela Argentina, ao fato de que o mercado comum limita o País quanto a acordos com terceiros mercados e à avaliação de que há forte risco politização do Mercosul, com a associação da Venezuela. O risco seria a transformação do bloco numa de plataforma política pelo presidente Hugo Chávez.

Após os aumento dos primeiros anos, o comércio no Mercosul foi prejudicado pela instabilidade econômica enfrentada pelos integrantes, primeiro o Brasil, em 1997, e depois com a crise argentina, no início desta década. A corrente de comércio do Brasil com os parceiros em 1998 chegou ao máximo de US$ 19,5 bilhões, US$ 1 bilhão a mais do que o estimado para 2005 pelo economista da Funcex, Fernando Ribeiro.

A maior diferença, entre os dois períodos, contudo, é que antes o Brasil tinha déficit e agora, tem superávit ¿ a Funcex estima saldo positivo de US$ 3,5 bilhões sobre a Argentina e ao redor de US$ 1 bilhão com Paraguai e Uruguai. ¿O jogo virou para o Brasil, o que gerou insatisfação¿, explicou Ribeiro. O vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, concorda que o saldo favorável é o pano de fundo das disputas comerciais, principalmente entre Argentina e Brasil. ¿Sempre o país que tem déficit levanta alguma defesa."

A Funcex informa que a fatia do Brasil nas compras da Argentina, por exemplo, cresceu da faixa de 20% para 33% desde 1998. Já o país vizinho, que vendia 14% de tudo o que o Brasil compra, hoje fornece 9%.

O diretor de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Giannetti da Fonseca, reconhece que o acordo incentivou o comércio e trouxe ¿alguns ganhos¿, mas registra que ¿poderia ter sido muito melhor se a Argentina tivesse tido um papel muito mais construtivo e menos conflitivo¿. Ele também critica o fato de o Brasil estar preso, pelas regras do bloco, para negociar acordos bilaterais com outros países.

Um novo acordo desse tipo tem de passar pelo consenso dos quatro parceiros, o que reduziria o raio de ação do Brasil. Com isso, a negociação fica restrita a ¿um mínimo denominador comum¿ e o país mais protecionista ¿acaba prevalecendo na negociação extrarregional¿, diz Giannetti. Ele admite que o mercado comum pode ser aprimorado. ¿O que falta é coragem e negociar firme.¿ Segundo ele, o Brasil tem sido muito contemplativo, para fazer média com o bloco. Nos últimos meses os conflitos têm avançado. Semana passada, a Argentina sugeriu a adoção de salvaguarda automática contra excessos de exportação brasileira.

¿A gente não sabe o dia de amanhã do Mercosul. Diria que o Brasil manteve mais o Mercosul por causa de interesses políticos, na fase de negociação com a Alca¿, comentou Castro. Fontes do governo reconhecem que o acordo avançou pouco desde meados da década passada do ponto de vista institucional. Isso inclui toda a base de regulamentação de comércio, padronização de outras atividades previstas e representação formal do bloco. O especialista em relações internacionais Pedro da Motta Veiga resume: ¿A grande deficiência é a falta de regra, a falta de clareza, uma empresa tem muita dificuldade de visualizar o mercado¿.