Título: Crédito consignado sob fraude
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/11/2005, Economia & Negócios, p. B9

Aposentados e pensionistas do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) estão sendo vítimas de uma fraude inusitada que usa o crédito com desconto na folha de pagamento, os financiamentos consignados. Sem seu conhecimento, o aposentado se depara com desconto da prestação deempréstimo que não contraiu. Esse tipo de fraude já responde por 16,8% das reclamações recebidas pela Ouvidoria do Ministério da Previdência e só perde para queixas sobre restrições aos empréstimos. Entre junho de 2004 e outubro deste ano, das 2.473 reclamações, 415 foram sobre empréstimos não autorizados.

A questão ganha relevância especialmente porque os empréstimos consignados já superam a marca de R$ 10 bilhões concedidos a mais de 5 milhões de aposentados e pensionistas. No total de financiamentos registrados pelo Banco Central (BC), essa modalidade de crédito foi a que mais cresceu no ano.

Um casal de aposentados que não quis se identificar foi vítima da fraude. A filha, Rosemary Cunha, conta que os pais são muito idosos: a mãe tem 83 anos e o pai, 72. Em fevereiro deste ano, o pai, que recebe a aposentadoria pelo Bradesco, tentou levantar um empréstimo consignado no Banco BMG. Mas teve o pedido negado, pois um financiamento consignado em seu nome já havia sido aprovado e passaria a ser descontado no mês seguinte.

Rosemary foi ao Bradesco e à agência do INSS onde seu pai está cadastrado. Descobriu que o empréstimo não havia sido aprovado pelo banco onde recebe o benefício, mas pelo BMG. Em contato com o INSS, foi informada que o órgão responde por esse tipo de ocorrência. Entrou no site da Previdência Social e foi orientada a recorrer à Ouvidoria da Previdência.

Formalizou por escrito a solicitação para o fim do desconto. Mas, para a sua surpresa, no mês seguinte, quando foi junto com a mãe aposentada receber o benefício, descobriu que também ela havia sido vítima do golpe, no BMG.

A filha formalizou nova queixa e se colocou à disposição do banco para um exame grafotécnico, a fim de esclarecer suspeitas a respeito da falsidade dos empréstimos, já que ela é a única que tem acesso ao número do benefício dos pais.

De março a outubro, eles receberam os benefícios com desconto. O banco os ressarciu só neste mês e, assim mesmo, sem correção. ¿Vamos entrar com uma ação de perdas e danos porque tivemos de pegar dinheiro emprestado com parentes com algum juro¿, diz Rosemary. ¿Vemos esse tipo de fraude com preocupação¿, afirma o presidente do INSS, Valdir Moysés Simão. Segundo ele, a Dataprev, órgão responsável pelos dados dos segurados, estuda mecanismos para ampliar os controles e evitar fraudes.

¿Já proibimos os empréstimos por telefone, restringimos o valor das parcelas e o Conselho Nacional da Previdência Social suspendeu por 30 dias o crédito consignado por meio de cartão de crédito¿, afirma Simão. Nestes casos, a responsabilidade recai sobre os bancos que autorizaram o empréstimo. ¿É o banco que tem de ressarcir o segurado.¿

A Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban) informa, por meio de sua assessoria de imprensa, que os bancos têm ressarcido os aposentados e pensionistas lesados, depois de uma verificação criteriosa e mediante a apresentação de um Boletim de Ocorrência (BO).

Segundo a Febraban, os bancos constataram que as fraudes são praticadas por pessoas que têm acesso aos dados do segurado e se fazem passar por ele.

De acordo com o advogado Paulo Marcelo de Arruda, sócio da Arruda advogados, o aposentado que se julgar vítima de fraude deve primeiro registrar um BO de preservação de direitos na delegacia de polícia. Em seguida, Arruda recomenda que o BO seja encaminhado à agência da Previdência Social na qual o segurado está cadastrado. Depois, deve notificar a instituição financeira que concedeu o empréstimo, relatando que o cliente é vítima de fraude e intimar o banco a ressarcir em 48 horas os valores descontados indevidamente. Outra providência é solicitar o cancelamento imediato da conta bancária aberta ilegalmente no nome do pensionista para que ele recebesse o empréstimo consignado.

¿Se a instituição financeira não quiser fazer o ressarcimento, a vítima poderá procurar o Juizado Especial Cível, antigo Juizado de Pequenas Causas¿, diz o advogado. Ele acrescenta que, se por conta de descontos irregulares a vítima considerar que passou por situação vexatória ou teve prejuízo em algum negócio, poderá entrar com pedido de reparação de danos morais e materiais.