Título: Aumenta o fosso entre negros e brancos
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/11/2005, Vida&, p. A42

Conclusão faz parte de relatório das Nações Unidas sobre racismo no País

Se existissem dois Brasis, um só com brancos e outro só com negros, o primeiro estaria, no quesito qualidade de vida, ao lado de países europeus relativamente desenvolvidos, como Bulgária e Letônia. O Brasil dos negros, por outro lado, ficaria próximo de países muito pobres, como o Vietnã e a Bolívia. Esse persistente fosso entre brancos e negros é a principal conclusão de uma edição especial do Relatório de Desenvolvimento Humano a respeito do racismo no Brasil. O trabalho, realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), teve como base estudos realizados no País nos últimos anos sobre o assunto. A divulgação ocorreu às vésperas do Dia da Consciência Negra, que será comemorado amanhã. Em 2002, o Brasil ocupava uma posição intermediária no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Pnud, que considera três fatores fundamentais de qualidade de vida: renda, esperança de vida ao nascer e nível de educação. Num universo de 177 países, estava em 73º lugar. Se no Brasil vivessem só os brancos, o País estaria em 44º lugar. Se houvesse apenas os negros, em 104º lugar ¿ considerável distância de 60 posições.

O fosso fica ainda mais profundo quando se separam os Estados. A melhor qualidade de vida têm os brancos do Distrito Federal ¿ vivem tão bem quanto na República Tcheca (33º lugar no ranking mundial). No outro extremo, estão os negros de Alagoas ¿ vivem na mesma precariedade que a população da Namíbia (122º lugar no ranking). ¿A democracia racial no Brasil é um mito. Os efeitos da escravidão permanecem até hoje¿, afirma José Carlos Libânio, assessor do Centro Internacional de Pobreza do Pnud. O Relatório de Desenvolvimento Humano também mostra a discriminação racial por meio de indicadores socioeconômicos. O número de pobres (com renda per capita inferior a R$ 75,50) no Brasil diminuiu 5 milhões entre 1992 e 2001. Os negros, porém, foram levados na contramão: o número de pobres cresceu 500 mil. Ainda no caso deles, o desemprego é maior e o salário é menor ¿ invariavelmente.

VIOLÊNCIA E EDUCAÇÃO

Na educação, apesar de os índices brasileiros terem melhorado sensivelmente, os negros ainda estudam menos que os brancos. Eles ficam, em média, 2,1 anos a menos que os brancos nas salas de aula. ¿Estamos falando só da questão quantitativa. Se falássemos da qualitativa, a situação seria muito pior. Normalmente os negros estudam em escolas ruins, com pouca ou nenhuma estrutura, sem professores qualificados, na periferia das cidades¿, diz Diva Moreira, editora do relatório.

A tendência se repete quando se trata de segurança. Ser negro significa ser o alvo preferencial da violência que resulta em morte. E também, pelo menos no caso do Rio, a maior vítima da polícia. ¿Em todos os indicadores sociais possíveis e imagináveis, a situação é a mesma. Se o indicador é negativo, os negros são maioria. Se o indicador é positivo, eles são minoria¿, resume Rafael Osório, do Centro Internacional de Pobreza do Pnud.

O relatório foi apresentado ontem no Capão Redondo, um dos bairros mais pobres e violentos de São Paulo. Das oito pessoas que estavam na mesa de apresentação, só duas eram negras. A pequena presença dos negros em posições de influência no País foi um dos problemas apontados pelo relatório.

Para o coordenador do Observatório Afrobrasileiro, Marcelo Paixão, essas desigualdades deveriam ter sido enfrentadas há pelo menos 70 anos. ¿Esse é o tamanho do atraso para um País que foi o último nas Américas a abolir a escravatura e passou o século 20 sem políticas de integração para afrodescendentes. No máximo, fez políticas globais achando que atenderia todo mundo, o que evidentemente não aconteceu.¿