Título: Troca de ministros altera pouco negociações bilaterais
Autor: Renata Veríssimo e Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/11/2005, Economia & Negócios, p. B7

"As negociações com o Brasil não vão apresentar grandes mudanças por causa da reforma ministerial". A afirmação é de Dante Sica, ex-secretário de Indústria da Argentina e um dos principais analistas de comércio exterior do país. Sica considera que a troca de ministros realizada na segunda-feira na Argentina não alterará a essência das negociações bilaterais. A reforma incluiu dois postos cruciais para as relações com o Brasil.

Por um lado, a reforma atinge o Ministério da Economia,do qual foi removido Roberto Lavagna, homem duro nas negociações com o Brasil, que foi substituído por Felisa Miceli, conhecida pela teimosia e devoção fervorosa ao presidente Néstor Kirchner.

Por outro lado, o posto de chanceler, que implicará a substituição de Rafael Bielsa por Jorge Taiana. Bielsa, que mantinha um comportamento oscilante em relação ao Brasil, seria seguido nesse estilo por Taiana, que, ao mesmo tempo que se opõe visceralmente à candidatura brasileira ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), também possui posições firmes de defesa do Mercosul perante as ásperas negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), da qual é um intenso crítico.

DIVERGÊNCIAS

"Pode mudar o estilo, mas os assuntos essenciais, como o acordo automotivo, a Cláusula de Adaptação Competitiva (CAC) e outros temas que precisam ser resolvidos antes do fim do ano não terão grandes modificações", disse Sica.

"Ocorre que as diretrizes da política externa quem define é o próprio presidente Néstor Kirchner."

Segundo Sica, a variação que pode ocorrer na Chancelaria é que o novo ministro, Jorge Taiana, teria um perfil "um pouco mais político" que o antecessor, o que, na verdade, poderia levar a um "aprofundamento" do Mercosul.

Dante Sica sustenta que Rafael Lavagna foi removido do cargo não por divergências com a política econômica, mas sim por questões políticas. "Lavagna tinha um peso específico muito grande dentro do gabinete", explica o analista.

Avaliando a integração entre o Brasil e a Argentina a partir do encontro entre os ex-presidentes Raúl Alfonsín e José Sarney, em 1985, quando colocaram as bases daquilo que mais tarde se transformaria no Mercosul, Sica sustenta que "houve um grande avanço".

O ex-secretário da Indústria afirma que Alfonsín e Sarney "mudaram o rumo desses dois países, que tinham culturas muito fechadas e se consideravam, mutuamente, hipótese de conflitos bélicos". "Isso ficou no passado. Hoje, são duas culturas que se conhecem cada vez mais", observou o especialista.

Segundo Sica, os críticos do bloco do Mercosul "têm a deformação no olhar de só enxergar o lado econômico, que foi mais forte nos primeiros anos e depois se estancou."

Além disso, as assimetrias comerciais existentes, com o processo de integração, em vez de diminuir, aumentaram.

Dante Sica descarta a possibilidade de setores críticos do Mercosul pensarem seriamente no fim do bloco. "Ninguém dá um tiro no próprio pé; não dá para retroceder à situação de anos atrás", concluiu o ex-secretário.