Título: Lula e Kirchner festejam 20 anos de Mercosul, sem falar em salvaguardas
Autor: Renata Veríssimo e Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/11/2005, Economia & Negócios, p. B7

Os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Néstor Kirchner, se encontram hoje na cidade argentina de Puerto Iguazú para celebrar o 20º aniversário da assinatura da Declaração do Iguaçu e comemorar o Dia da Amizade Brasil-Argentina. Os ex-presidentes do Brasil, José Sarney, e da Argentina, Raúl Alfonsín, que assinaram o documento em 1985, estarão presentes ao evento de comemoração. A declaração foi o marco inicial para a aproximação comercial entre os dois países. O sub-secretário geral da América do Sul, José Eduardo Martins Felício, disse ontem que a idéia é retomar os acordos bilaterais em vários setores. Mais de 20 acordos serão assinados em áreas como energia nuclear, cooperação espacial, telecomunicações, defesa, energia, educação e cultura. Felício informou ainda que Brasil e Argentina devem tornar bilateral o acordo de residência de nacionais firmado no âmbito do Mercosul, mas não reconhecido por Uruguai e Paraguai. O entendimento garante aos brasileiros e argentinos que pedirem residência no país vizinho o direito de trabalhar.

Lula e Kirchner assinarão o Compromisso de Puerto Iguazú reafirmando a determinação de aprofundar a cooperação bilateral, e uma declaração conjunta sobre política nuclear, na qual se comprometem com a defesa do desarmamento e da não-proliferação de armas, mas sem prescindir do uso de uma fonte de energia.

O subsecretário garantiu que a proposta argentina de criação de um mecanismo que impeça o aumento das importações brasileiras para a Argentina não fará parte das conversas oficiais entre os dois presidentes. Segundo Felício, a Argentina apresentou uma contraproposta na última semana que está sendo analisada pelos negociadores brasileiros, mas há resistências ao pleito argentino.

"Estamos buscando um entendimento para que possa ter um mecanismo que não seja automático", disse o subsecretário. A Argentina quer proteger seu mercado e propõe que, em caso de invasão de produtos brasileiros em seu mercado, ela possa adotar automaticamente medidas para barrar a entrada desses bens (as chamadas salvaguardas, batizadas de Cláusula de Adaptação Competitiva, CAC). Segundo Felício, o Brasil até aceita que se busque equilibrar o comércio, mas as medidas teriam de ser negociadas entre os dois lados e adotadas de comum acordo.

Ele afirmou não haver prazos para concluir as negociações e acrescentou que dificilmente um acordo será fechado a tempo de ser discutido pelos presidentes dos países do Mercosul na reunião de 9 de dezembro, em Montevidéu. "Não acredito que avance até lá."

O embaixador não comentou esse ponto, mas o principal patrocinador da proposta de salvaguardas é Roberto Lavagna, que na segunda-feira deixou o Ministério da Economia. Há dúvidas entre os negociadores brasileiros sobre a composição da equipe de sua sucessora, Felisa Miceli, e sobre a ênfase na defesa dessa proposta.

VENEZUELA

O encontro enquadra-se numa nova postura do temperamental Kirchner em relação ao Brasil e o resto do Mercosul. Após a recente e turbulenta Cúpula das Américas, na qual a Argentina, junto com a Venezuela, posicionou-se firmemente contra a proposta americana da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), Kirchner moderou seu discurso duro com o Brasil - país com o qual havia iniciado um forte confronto comercial desde meados do ano passado - e até chamou o presidente Lula de "mi amigo" (meu amigo).

Kirchner também deve discutir com Lula a imediata entrada da Venezuela no Mercosul. O governo argentino tem especial interesse na participação venezuelana, já que poderia garantir o abastecimento de gás e petróleo, produto que começa a escassear na Argentina.