Título: O investimento emperrado
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Fonte: O Estado de São Paulo, 29/11/2005, Notas e Informações, p. A3

É injusto aplaudir só o ministro Antonio Palocci e seus assessores pelo bom resultado fiscal deste ano. A incompetência de outros ministérios tem ajudado o governo a economizar mais que o planejado para 2005. Essa combinação torna a experiência brasileira, quase certamente, um caso único na história das políticas de ajuste. Na administração federal, só se investe uma pequena parcela do dinheiro liberado pelo Tesouro, ou porque falta capacidade para executar projetos, ou porque as obras são emperradas por obstáculos burocráticos e judiciais, ou, ainda, porque às vezes nem há projetos prontos para execução. Reportagem publicada pelo Estado no domingo mostra bem essa extraordinária mistura de virtude nas finanças e inoperância na execução. Também por esses fatores, portanto, o setor público pôde acumular de janeiro a outubro um superávit primário - isto é, antes do pagamento de juros - de R$ 95,1 bilhões, valor correspondente a 6% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2004, no mesmo período, o superávit chegou a 5,4% do PIB.

A meta fixada para o ano, um superávit primário equivalente a 4,25% do PIB, foi ultrapassada em setembro. Divulgada a notícia, começou um bombardeio contra o Ministério da Fazenda. Outros ministros, liderados pela chefe da Casa Civil da Presidência, Dilma Rousseff, aumentaram as pressões por mais verbas e passaram a responsabilizar Palocci pela escassez de investimentos. O conflito ficou mais intenso quando os Ministérios do Planejamento e da Fazenda apresentaram um plano de ajuste fiscal mais ambicioso para os próximos anos. O objetivo era a redução mais veloz da proporção entre a dívida pública e o tamanho da economia.

A ministra Dilma Rousseff reagiu de forma agressiva, classificando a proposta de rudimentar e levando o conflito, provavelmente, um pouco além do nível desejado por seu inspirador, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Depois, a ministra ainda tentou puxar a execução orçamentária para um órgão colegiado.

Os queixosos, no entanto, apenas tentaram culpar o ministro da Fazenda, guardião do cofre, pela inoperância da maior parte dos ministérios. Até 15 de novembro, de fato, o governo havia empenhado apenas 42,21% do orçamento inicial para os setores de infra-estrutura, segundo levantamento do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon). A emissão de faturas para liquidação de trabalhos efetuados havia chegado, no entanto, somente a 25,95% das dotações. Os pagamentos não haviam passado os 25,06%.

Segundo o levantamento do Sinicon, o Ministério de Minas e Energia havia empenhado apenas 14,53% e liquidado 11,34% das dotações iniciais. O Ministério dos Transportes havia empenhado 61% das dotações iniciais e liquidado 36,28% - e tudo isto apesar do péssimo estado das estradas do País e da necessidade urgente de melhorias, por exemplo, nos portos.

Um quadro semelhante fora divulgado no começo do mês pela Associação Brasileira das Indústrias de Base e de Infra-estrutura (Abdib). Seu presidente, Paulo Godoy, atribui parte dos problemas à dificuldade para obtenção de licenciamento ambiental, um processo muito lento e conduzido como se o objetivo fosse impedir o crescimento da economia.

O presidente da República poderia cobrar maior eficiência dos órgãos de licenciamento ambiental, mas a preocupação com a produtividade e a competência administrativa não são marcas deste governo, que tem no Ministério do Meio Ambiente uma ministra que se pauta pela convicção ideológica e não pela razão prática.

O Ministério da Fazenda pode ser lento na liberação de verbas e nem sempre atento às prioridades. Mas em vários ministérios não há sequer competência para a elaboração de projetos, como observou o diretor do Departamento de Tecnologia e Competitividade da Fiesp, José Ricardo Roriz.

Enfim, é preciso reconhecer um fato especialmente revelador: o governo tropeçou até na execução dos Projetos Piloto de Investimentos, combinados em 2004 com o Fundo Monetário Internacional e não sujeitos a contingenciamento de recursos. Foi preciso remanejar verbas e projetos, às pressas, para obter algum resultado. O presidente e vários ministros, no entanto, insistem no aumento urgente de gastos. Seria bom se houvesse competência para gastar bem pelo menos o pouco dinheiro liberado.