Título: Justiça é ganhar e levar
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Fonte: O Estado de São Paulo, 29/11/2005, Notas e Informações, p. A3

Só o cidadão que já passou pela experiência sabe, pois quem não passou jamais imaginará a enorme distância que existe entre "ganhar" na Justiça e "levar". A pessoa que recorre ao Poder Judiciário para cobrar o que lhe é devido, mesmo depois de ter enfrentado todos os custos, esforços probatórios, coleta documental, entraves burocráticos, profusão de recursos, expedientes protelatórios (em favor do devedor) e insuportável consumo de tempo, e, mesmo depois de vencida essa corrida de obstáculos, se vê galardoada com uma sentença favorável, transitada em julgado, nem por isso receberá "o que é seu". Para tanto, precisará encarar um longo novo processo, o de execução, o qual, mesmo com suas especificidades que o distinguem da fase inicial da lide, a de "conhecimento", não deixa de dar ao credor demandante a desalentadora sensação de que "está começando tudo de novo".

Não resta dúvida de que, afora a genérica morosidade, por todos considerada a característica mais dramática (e por vezes trágica) de nossa Justiça, a distância entre uma decisão judicial e a produção de seus efeitos na vida cotidiana, especialmente dos que foram lesados em bens e valores e recorreram aos tribunais para reavê-los, é uma das distorções que mais contribuem para a decepção, a frustração e a descrença dos cidadãos, em relação à tutela jurisdicional do Estado Democrático de Direito. Daí a grande importância do Projeto de Lei iniciado na Câmara (PLC 52/2004) em 6 de agosto de 2004, de iniciativa do Ministério da Justiça, e que está para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

Alterando o Código de Processo Civil (Lei n.º 5.869 de 11 de janeiro de 1973), o projeto dispõe sobre o cumprimento da sentença que condena ao pagamento de quantia certa para que a execução ocorra na mesma relação processual cognitiva. Dessa forma, deverá haver uma aceleração nos procedimentos que julguem o recebimento de dívidas ou indenizações, evitando que pessoas físicas ou empresas, que tenham seus créditos reconhecidos pela decisão judicial, sejam prejudicadas pela necessidade de enfrentar novos e longos processos de "execução", para recebê-los.

Há uma oportuna citação, na Exposição de Motivos desse projeto, segundo a qual "a execução é o calcanhar-de-aquiles do processo", complementada por observação de lúcida abrangência para toda a nossa vida jurídica, nestes termos: "Nada mais difícil, com freqüência, do que impor no mundo dos fatos os preceitos abstratamente formulados no mundo do Direito." Em termos mais diretos isso quer dizer que nem sempre o que foi elaborado pelo legislador com a melhor técnica e os melhores propósitos, no campo da preservação do direito das pessoas - e é bem possível que aí se enquadre boa parte de nosso Código de Processo Civil vigente - ao aterrissar na realidade dos fatos, nos conflitos de interesse que exigem tutela jurisdicional, tem condições de aplicabilidade imediata, de molde a impedir que a Justiça deixe de ser feita, por falta de tempestividade.

Quando se diz que a Justiça brasileira é excessivamente morosa - e que pelo próprio emperramento pode tornar-se "injusta" -, a crítica se refere à demora dos processos até a decisão judicial, aos excessos de recursos processuais e de instâncias jurisdicionais, o que muitas vezes propicia a protelação deliberada, a chicana provocada pela má-fé das partes, pelas artimanhas usadas na busca de ultrapassagens de prazos prescricionais etc., mas, sobretudo, àquele enorme lapso de tempo, lógica, jurídica e eticamente injustificável,que medeia entre uma sentença transitada em julgado e seu efetivo cumprimento, por quem de direito, ou o real ressarcimento da parte reconhecidamente lesada. Este é um ponto crucial, pois é disso que se tira toda a inferência sobre o fato de, efetivamente, valer ou não a pena o recurso à Justiça. E, numa palavra, este é o meio de a sociedade aferir se a Justiça merece ou não sua confiança e respeito.

Com todas as mudanças que, por certo, haverá de receber ou absorver em sua tramitação pelas Casas do Congresso, o PLC 52 já pode ser considerado o capítulo mais importante da Reforma do Judiciário que segue curso no País - mesmo que em ritmo ainda longe do desejável.