Título: Minas tem um MEC paralelo
Autor: Lisandra Paraguassú
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/11/2005, Vida&, p. A34

Multiplicam-se as faculdades particulares autorizadas apenas por conselho estadual; ministério vai ao STF contra situação

Uma situação particular da educação superior em Minas está criando uma rede sem precedentes de faculdades particulares, em especial na área de formação de professores, que passam longe da supervisão do Ministério da Educação (MEC). São mais de 800 cursos - 700 de apenas uma instituição -, que estão sendo contestados na Justiça pelo MEC, muitos sem estrutura, funcionando em salas de aula de escolas municipais e estaduais, salas de prefeituras e até salões paroquiais. A Constituição Estadual permitiu que instituições criadas por fundações ligadas ao governo de Minas, mesmo deixando de ser públicas, continuassem ligadas ao sistema estadual de ensino. No entanto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, afirma que instituições privadas - mesmo filantrópicas, como a maior parte dessas faculdades mineiras diz ser - devem estar no sistema federal e sob a jurisdição do MEC.

A situação dúbia, que existe só em Minas, faz que, mesmo reconhecendo a existência dessas faculdades, o MEC não tenha controle sobre elas. Das quatro principais, duas têm título de universidade conferido pelo Conselho Estadual de Educação (CEE) e crescem em ritmo vertiginoso.

INCONSTITUCIONALIDADE

O governo federal tem uma ação direta de inconstitucionalidade (adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a situação de Minas. O pedido de liminar feito com a ação foi negado e isso é usado pelas instituições mineiras como prova de que a situação é regular. No entanto, a negativa foi dada como forma de não prejudicar os alunos. Uma ação já julgada, em que Tocantins tentava formar uma rede estadual nos moldes da de Minas, foi considerada inconstitucional pelo STF.

A Assessoria Jurídica do MEC não tem dúvida de que a situação é irregular. A expectativa é que, assim que saia o resultado, o ministério tenha um problema em mãos, na forma de alguns milhares de alunos por se formar.

Apesar de declarar que sua situação não é irregular, nos campus afastados da sede vários diretores de instituições espalham entre os alunos - como forma de garantir a regularidade do curso - a idéia de que a instituição é reconhecida pelo MEC.

A Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac) tem o título de maior universidade de Minas. Tem, hoje, 708 cursos em 167 municípios, mas em apenas nove cidades tem campus próprio. Representa 18% de todos os cursos superiores existentes no Estado e tem 40 mil alunos - mais do que os 35 mil da Universidade Federal de Minas Gerais, uma das maiores do País.

Na maioria dos casos, faz acordos com prefeituras e usa escolas municipais e salas de aulas em prédios das prefeituras para instalar seus cursos, especialmente na formação de professores.

A instituição recebeu o título de universidade dado pelo CEE. Com isso, pode abrir novos cursos sem ter de passar por um processo de autorização, em que há fiscalização prévia. Necessita apenas de um credenciamento, feito já com o curso funcionando.

A maioria dos novos cursos dificilmente passaria em uma avaliação de condições como a que é feita pelo ministério - a começar pelo fato de que o MEC proíbe o uso de escolas ou prédios públicos por faculdades particulares.

Nas escolas municipais onde funcionam esses cursos, é raro haver laboratórios ou bibliotecas com acervos adequados às aulas. Muitas vezes, há apenas um livro da disciplina para todas as turmas. Num folheto, a universidade - que se intitula a maior do Vale do Mucuri - chama para o vestibular de nada menos que 19 cursos em Teófilo Otoni - 6 a ser abertos em 2006 - e mostra imagens de um novo campus em construção. Por enquanto, a realidade é muito diferente (veja ao lado).

MESMO PADRÃO

Outra instituição que segue o mesmo padrão é o Centro Universitário de Caratinga (Unec). São 14 unidades e 40 cursos. De novo, a maioria na área de formação de professores e em salas de aula de escolas municipais e prefeituras.

Material obtido pelo Estado mostra salas de aulas da Unec em escolas municipais com vidros quebrados e ruas sem calçamento. Em Matipó, cidade de 15 mil habitantes a cerca de 250 quilômetros de Belo Horizonte, a Unec usa, para seus cursos, a biblioteca da cidade. O que seria já irregular se torna pior quando se descobre que a biblioteca é apenas um sala com poucos livros realmente voltados aos cursos.

Outra universidade sob a jurisdição do CEE-MG que está sendo contestada é a Unifenas, de Alfenas. Criada por lei estadual em 1965, a instituição chegou a ser credenciada pelo MEC, mas a última vez foi em 1988. O credenciamento deve ser feito a cada cinco anos. Diferentemente das outras instituições, a Unifenas concentra-se mais nas áreas de saúde.

Ao lado da Unec e da Unipac, a Unifenas está sendo contestada na Justiça pelo Conselho Regional de Medicina. O CRM não quer registrar os diplomas dos alunos oriundos dos cursos de Medicina dessas instituições. "Não consideramos suficientes os diplomas de instituições privadas que não passaram pela avaliação do MEC. Juridicamente, são ilegais. Não podemos fazer isso", justifica Maurício Rezende, presidente do CRM-MG.

Procurado pelo Estado, o presidente do CEE, padre Lázaro Pinto, não foi localizado por seus assessores. Mas a Assessoria Técnica do conselho garante que tem a mesma autonomia do ministério para autorizar cursos, com base em resolução de 2003, que tem basicamente a mesma estrutura do que é exigido pelo MEC. A impressão que passa, no entanto, é a de que a fiscalização é falha.

Dirigentes justificam situação com base na legislação estadual

REGULARES: Dirigentes das instituições que estão sendo contestadas pelo Ministério da Educação (MEC) usam a legislação estadual para justificar sua situação e a abertura de cursos. Sob a legislação mineira, sua situação é regular e, como centros universitários e universidades, podem abrir cursos antes de pedir autorização até ao Conselho Estadual de Educação (CEE).

Procurada pelo Estado, a direção do Centro Universitário de Caratinga (Unec) não quis responder às questões apresentadas. Sua assessoria informou que o CEE-MG é que deveria sanar as dúvidas.

Já o reitor administrativo da Universidade Presidente Antonio Carlos (Unipac), Paulo Araújo, diz que a situação da instituição está "toda certinha". "Somos vinculados ao sistema estadual de ensino. Nossos professores têm todos, no mínimo, especialização, têm mestrado e doutorado", afirmou. Araújo garante que, na última fiscalização, 25% dos seus cursos foram vistoriados in loco e os demais por meio de relatórios e o CEE considerou a situação regular.

Sobre o crescimento vertiginoso da instituição, Araújo explica que a Unipac foi procurada por várias prefeituras que precisavam qualificar professores. "O salário dos professores é baixo, não podem pagar muito. Então fizemos convênios com prefeituras", disse para explicar o uso de escolas municipais e salas de prefeituras. "A Unipac é uma fundação, não busca lucro."

O reitor da Unifenas, Edson Delano, respondeu ao Estado, por e-mail, que a instituição foi "compelida", pela legislação de Minas, a ficar sob a supervisão do sistema estadual, mas antes disso todos os seus cursos haviam sido reconhecidos pelo MEC. Delano esclarece, ainda, que a instituição fez parte do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), do sistema federal.