Título: Muito prazer, Amazônia Azul
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/11/2005, Vida&, p. A30

Livro da Marinha e do MEC apresentará o imenso território brasileiro submerso, comparável à Amazônia Verde em riquezas

O Brasil é internacionalmente conhecido pela beleza de suas praias. Basta ir algumas braçadas além da espuma das ondas, entretanto, e o mar transforma-se em um elemento quase que completamente desconhecido da maioria dos brasileiros. Pouquíssimos se dão conta de que metade do território nacional está debaixo d'água, a leste da linha da costa. Um vazio que a Marinha e o Ministério da Educação (MEC) pretendem preencher a partir do mês que vem, com o lançamento do primeiro livro didático focado no espaço marítimo brasileiro. A obra será distribuída para professores de escolas públicas de todo o País, para que eles possam repassar o conhecimento a seus alunos. A obra começa com uma comparação curiosa entre o mar e a floresta tropical - outro símbolo nacional. É o que a Marinha chama de Amazônia Azul; um território submerso de milhões de quilômetros quadrados, repleto de riquezas biológicas e minerais. E, assim como a Amazônia Verde, largamente ameaçado pela exploração predatória e interesses internacionais. "A nação brasileira desconhece a importância do mar. O ensino nas escolas não trata desse assunto", diz o secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), contra-almirante José Eduardo Borges de Souza. "Temos todas essas preocupações com a Amazônia Verde porque nunca tivemos uma política de ocupação. O mesmo vai acontecer com a Amazônia Azul."

Por trás das aparências, as semelhanças são muitas. A começar pela área: a cobertura florestal da Amazônia brasileira tem cerca de 3,2 milhões de km2 e a Amazônia Azul, 3,5 milhões de km2, com possibilidade de aumento para 4,4 milhões de km2 (equivalente a mais da metade do território terrestre brasileiro). Normalmente, a chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE) de um País vai até 200 milhas marítimas da costa. Nos casos em que a plataforma continental se prolonga além dessa distância, entretanto, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar permite que uma extensão seja pleiteada, até o limite de 350 milhas da costa. É o que está fazendo o Brasil, com base nos resultados de quase dez anos de estudo do Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (Leplac).

A proposta foi encaminhada à ONU em 2004 e uma recomendação final é aguardada para abril de 2006. Caso o pleito seja acatado, o Brasil acrescentará a sua jurisdição outros 900 mil km2 de mar - uma área equivalente à soma dos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. "Mais de 500 anos depois do Descobrimento, estamos definindo a fronteira leste do nosso País", diz Souza.

AS TRÊS CATEGORIAS

O Brasil marítimo está dividido em três categorias. A faixa até 12 milhas da costa é chamada mar territorial, dentro do qual o País tem soberania absoluta sobre os recursos e trânsito de embarcações. "É uma extensão da costa, como se fosse terra", explica o capitão-de-mar-e-guerra Jorge de Souza Camillo, coordenador do Comitê Executivo para o Programa de Mentalidade Marítima (Promar) da Secretaria da CIRM (Secirm).

Na ZEE, entre 12 e 200 milhas da costa, o trânsito de embarcações é livre, mas o Brasil é dono de todos os recursos vivos e não vivos da água, do solo e do subsolo. Já nas extensões até 350 milhas, o País terá direito sobre tudo que está no solo, no subsolo e sobre as espécies que vivem no leito marinho.

A localização e a quantidade de todos esses recursos ainda precisam ser devidamente mapeadas. A biodiversidade da Amazônia Azul, assim como a da Verde, é reconhecidamente grande, mas ainda desconhecida em sua maior parte do ponto de vista científico e econômico. As pesquisas, nesse caso, envolvem uma logística às vezes até mais complicada do que na floresta. As distâncias são enormes, não só na horizontal, mas na vertical, com profundidades de até 5 mil metros. Faltam pesquisadores, faltam navios, faltam recursos, falta tecnologia.

O pesquisador Roberto Berlinck, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, lembra que não se pode considerar apenas a área de superfície. É preciso pensar no mar como um sistema tridimensional, com espécies diferentes a cada faixa de profundidade. "O trabalho no mar é muito complicado. Não é que nem pegar o carro, botar uma mochila nas costas e sair caminhando", afirma Berlinck, que estuda o potencial farmacológico de esponjas e outros invertebrados marinhos.

Nesse aspecto, outra semelhança entre as Amazônias: a preocupação com a biopirataria e a perda de conhecimento. Os organismos marinhos, assim como a biodiversidade da floresta, são vistos como um grande repositório de moléculas de interesse farmacológico e cosmético. "O limite da plataforma continental é riquíssimo em esponjas", afirma Berlinck. "Pode ser uma mina de fármacos, mas não sabemos. É preciso um grande esforço de pesquisa nesse sentido."

Se o Brasil não se apoderar desses recursos, muitos temem que eles acabem seguindo viagem no porão de embarcações estrangeiras. "No momento em que você não ocupa um espaço, outros ocuparão", diz o almirante Souza. "Se a Marinha não estiver capacitada a patrulhar e defender esse território, a Amazônia Azul vai ficar infestada de embarcações estrangeiras de pesquisa e exploração."

A frota brasileira de navios científicos é deficiente. As principais embarcações - Prof. W. Besnard, da USP, Atlântico Sul, da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (Furg), e Almirante Saldanha, da Marinha - estão todas "velhas e desgastadas", segundo a pesquisadora Carmen Rossi-Wongtschowski, do Instituto Oceanográfico da USP e coordenadora para a Costa Sul do Programa de Avaliação do Potencial Sustentável dos Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva Brasileira (Revizee). "Nossa deficiência é total", reconhece Souza.

O Revizee, em fase final de conclusão, chegou a uma observação básica: o mar do Brasil não está para peixe - do ponto de vista do pescador. "Os recursos são muito limitados", diz Carmen. "Temos uma diversidade muito grande de espécies, mas pouco de cada uma delas."

Isso não significa que a pesca não possa ser uma atividade rentável para o País. Segundo Carmen, é uma questão de gestão. Primeiro, é preciso explorar melhor e de forma mais sustentável os estoques disponíveis - tal como a madeira na Amazônia. Segundo, é preciso investir em pesquisa e tecnologia para a busca de novas espécies comerciais. O levantamento do Revizee foi só até mil metros de profundidade.

Ela observa ainda que as espécies são poucas, mas de alto valor comercial, como batata, cherne e namorado. "Não é que não temos nada. Se pescarmos direito, nosso peixe vale muito."

Outras riquezas pouco exploradas estão no solo marinho. Além de petróleo e gás, estudos indicam que o fundo do mar contém grandes jazidas minerais que poderiam ser exploradas a partir de novas tecnologias. Um levantamento detalhado está sendo realizado pelo Programa de Avaliação da Potencialidade Mineral da Plataforma Continental Jurídica Brasileira (Remplac) - trabalho que vem se arrastando há anos por falta de recursos e infra-estrutura. "Há riquezas incalculáveis na nossa plataforma continental", diz o capitão-de-mar-e-guerra Carlos Frederico Simões Serafim, da Secirm. "Os países desenvolvidos provavelmente já tem tudo isso mapeado, mas nós, não."

LANÇAMENTO

O Mar no Espaço Geográfico Brasileiro é o oitavo volume da série Explorando o Ensino, do MEC. O livro será lançado nos dias 7 e 8, na Escola Naval do Rio. Mais de 177 mil cópias serão dadas a professores da rede pública da 5ª a 8ª séries e ensino médio.