Título: Saddam volta a desafiar tribunal
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/11/2005, Internacional, p. A14

Em sua segunda aparição no tribunal especial que o está julgando, o ex-presidente iraquiano Saddam Hussein voltou a roubar a cena, ontem, apresentando-se diante do juiz com uma atitude de desafio à corte e às forças de ocupação. A sessão durou pouco tempo. O juiz Rizgar Mohammed Amin adiou novamente o julgamento, para o dia 5, desta vez porque dois assessores de Saddam, que também estão no banco dos réus, pediram tempo para encontrar novos defensores. Dois advogados da equipe de defesa foram assassinados nas últimas semanas e um terceiro partiu para o exílio, após sobreviver a um atentado a tiros.

Saddam e sete de seus principais assessores estão sendo julgados, por enquanto, apenas por um dos crimes de que são acusados: o massacre na aldeia de Dujail, no qual mais de 140 xiitas foram mortos em 1982, em represália a um atentado contra a vida de Saddam.

O ex-presidente chegou ao tribunal com oito minutos de atraso, levando um exemplar do Alcorão, e logo começou a reclamar. Queixou-se de ter sido algemado ao ser levado ao tribunal, de terem-lhe tirado canetas e papel e de ter sido obrigado a subir quatro andares de escadas para chegar à sala da corte, já que o elevador aparentemente estava quebrado.

"Como pode um réu defender-se, e não estou apenas falando de Saddam Hussein, se sua caneta foi levada?", perguntou Saddam ao juiz. "Vou alertá-los sobre esse problema", respondeu o juiz Amin, referindo-se às tropas americanas, que mantêm Saddam sob custódia desde sua captura, dois anos atrás. "Você é o chefe dos juízes. Não quero que fale com eles. Quero que lhes dê ordens. Eles estão em nosso país. Você tem a soberania. Você é iraquiano e eles são estrangeiros e ocupantes. Eles são invasores. Você deveria lhes dar as ordens", reagiu Saddam, irritado.

Essas foram as últimas imagens da corte mostradas pela TV iraquiana. Milhões de pessoas no país se postaram diante da TV para ver o ex-ditador.

Depois do embate com o juiz, Saddam ficou calado, ouvindo o depoimento gravado em vídeo da primeira testemunha do massacre de Dujail, Wahad Ismail al-Sheij, um ex-oficial de alta patente do regime deposto. A fita foi gravada pouco antes de Sheij morrer de câncer, três semanas atrás, num hospital iraquiano. Ele contou ter sido designado para descobrir os responsáveis pelo atentado e acusou o meio-irmão de Saddam, Barzan Ibrahin - um dos réus no caso - de ter sido o mandante da repressão na aldeia.

A grande maioria da população - formada por árabes xiitas e curdos, perseguidos pelo antigo regime - se mostra satisfeita com o julgamento e exige a pena de morte para Saddam. No entanto, entre a comunidade árabe sunita, da qual Saddam é originário, as reações são de revolta. Em Tikrit, terra natal de Saddam, houve manifestação em seu apoio.