Título: Na selva, um padre sob ameaça de ter o mesmo destino de irmã Dorothy
Autor: Liege Albuquerque
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/11/2005, Nacional, p. A16

Por conta da luta contra desmatamento em Novo Aripuanã, no Amazonas, d. Ramiro recebe recados intimidadores de madeireiros

Dom Ramiro engloba os medos acumulados dos ribeirinhos acuados por madeireiros e grileiros em Novo Aripuanã, um município sem lei a 225 quilômetros ao sul de Manaus, a área mais devastada do Estado. Assustados, os ribeirinhos não mostram o rosto; o padre assume suas denúncias e vira alvo de ameaças. Acusa: a seca devastadora deste ano vai se repetir nos próximos por causa do desmatamento desenfreado. Em troca, recebe recados intimidadores dos madeireiros: "Está querendo acabar como irmã Dorothy (Stang)?" Alguns pistoleiros são menos sutis: mostram a arma no coldre, ostensivamente, e avisam em voz alta que o padre anda "reclamando muito". "Não posso me calar", diz o padre Antonio Ramiro Benito, de 60 anos, o Dom Ramiro dos ribeirinhos, nascido em Aranda del Duero, Espanha, no Brasil há 33 anos, 22 deles em Novo Aripuanã.

DESMATAMENTO E SECA

Ele já foi preso em 1983, quando organizou um protesto contra o governador Gilberto Mestrinho - hoje senador -, que dava motosserras para os caboclos. "Chamavam isso de progresso, dar motosserras e nenhuma informação. Hoje ainda vejo políticos dizendo que a grande seca deste ano não tem a ver com o desmatamento. Os caboclos e os cientistas sabem que tem tudo a ver", destaca.

Ele diz que enquanto tiver forças lutará contra as invasões: "O que não pode é esses madeireiros acabarem com a floresta, os grileiros expulsarem os ribeirinhos das terras onde moram há 20, 50 anos e ficar por isso mesmo."

E explica como agem os grileiros: "Eles chegam, fincam placas com seus nomes e 'convidam' os ribeirinhos a se retirarem das terras. Como os caboclos não têm documento de posse e - não sei como - esses grileiros chegam cheios de documentos, os pobres coitados se retiram, acuados", conta.

CORAGEM

"O padre é o único que tem coragem de mostrar a cara nas denúncias, e por isso é o mais visado", afirma a gerente do escritório do Instituto de Desenvolvimento do Amazonas (Idam), Anecilene Buzaglo, de 31 anos. "Todos na cidade temem por sua segurança, mas ele é muito destemido." Dom Ramiro denuncia que alguns vereadores do município encampam as idéias dos madeireiros, mas não quis citar-lhes os nomes. "Eles sabem quem são, e que nem o prefeito tem como lutar contra isso", diz.

Para Dom Ramiro, o aumento do número de madeireiros e grileiros começou de um ano e meio para cá. "Eles estão saindo do sul do Pará, porque lá o Exército está presente, e mais ainda depois do assassinato em Anapu, no Pará, da irmã Dorothy (em fevereiro passado)", considera. "Aqui é mais fácil para eles, não tem fiscalização, é longe de Manaus e das leis."

Dom Ramiro diz que o Rio Madeira, que banha Novo Aripuanã, é o "rio Nilo" do Amazonas. "Nas margens desse rio rico de peixes de todas as espécies, em se plantando, tudo dá", diz. "Mas se continuar com essa devastação, que a gente avisa, alerta, e não é ouvido, as secas vão ser piores a cada ano. O caboclo é quem mais sabe da mata e é ele quem diz isso quando é expulso pelos tratores dos grileiros e madeireiros sem limites."