Título: Número de miseráveis cai 8%
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/11/2005, Economia & Negócios, p. B6

A miséria caiu 8% em 2004 no Brasil, com uma redução de 2,6 milhões no número de miseráveis. O cálculo, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), foi divulgado ontem pelo pesquisador Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais (CPS) da Fundação Getúlio Vargas, no Rio. Desde 1993, quando estava em 36,6% da população, a queda na proporção dos miseráveis foi de 31%. De 2003 para 2004, a queda foi de 27,3% para 25,1%. Em 1999, o porcentual estava em 29,3%. O número de miseráveis em 2004, pelo critério do CPS (ver matéria ao lado), era de 44,8 milhões. Segundo Neri, a queda da miséria foi muito maior do aquela que ocorreria simplesmente com o aumento da renda entre 2003 e 2004 (que ocorreu quando se toma como indicador básico os rendimentos per capita dos domicílios, incluindo aqueles que têm renda zero). Uma fatia de dois terços da redução da miséria em 2004 deveu-se a um fenômeno que, segundo o pesquisador, não ocorria de forma consistente no Brasil desde os anos 60: a melhora da distribuição de renda.

"A desigualdade finalmente pode estar começando a ceder", comemora Neri, notando que, depois de piorar drasticamente nos anos 60, a distribuição de renda no País manteve-se estável, num péssimo patamar, ao longo de várias décadas, atravessando quase incólume momentos de euforia econômica e recessões, hiperinflação e outras turbulências, além da própria estabilização a partir de 1994.

Em 2004, segundo o economista, o aumento de 2,85% na renda familiar per capita dos brasileiros, de R$ 401,95 para R$ 413, foi responsável por um terço da redução no número de miseráveis, com o restante sendo explicado pela melhora na distribuição. O índice de Gini - um indicador que mede a desigualdade, e é tanto pior quanto maior - da renda familiar per capita caiu de 0,585 em 2003 para 0,573 em 2004.

Neri nota que, ao contrário do que aconteceu algumas vezes no passado, a melhoria da distribuição de renda nos últimos anos tem se mostrado consistente - isto é, os avanços não se desfazem rapidamente, como no Plano Cruzado, assim que as condições excepcionais que os causaram se deterioram. Em 2001, o Gini estava em 0,596, caindo para 0,59 em 2002, 0,585 em 2003 e 0,573 em 2004. Neri observa que "entre 2003 e 2004, a queda do índice de Gini duplicou o ritmo em relação aos anos anteriores".

A renda dos 10% mais ricos caiu de 47,3% do bolo total para 44,7% entre 2001 e 2004, e a dos 50% mais pobres subiu de 12,4% para 14,1%. Isto significa que, no período, a fatia na renda dos 50% mais pobres aumentou 14% e a dos 10% mais ricos encolheu 5,5%. A melhora aconteceu gradativamente em todos aqueles anos. "No Brasil, nunca se observou três anos consecutivos de redução da desigualdade, isto é novo", disse.

Neri acha que uma das principais causas da redução da desigualdade nos últimos anos deve ser a melhoria da escolaridade, que pesquisas indicam ser a causa de 35% a 40% das diferenças de renda no Brasil. Neri nota que a população de 7 a 14 anos que freqüenta a escola saltou de 85% em meados dos anos 90 para 97,1% em 2004. Ele acha que a leva de jovens com mais educação chegando ao mercado de trabalho pode estar tendo um impacto positivo na distribuição de renda.

Outros fatores importantes, para ele, são a ampliação dos programas de transferência, como o Bolsa Família, e os aumentos reais do salário mínimo, que impactam programas sociais como a aposentadoria rural e o benefício de prestação continuada.

O maior impacto das crises dos anos 90 foi no índice de miséria metropolitana, que subiu de 15,92% para 20,19% entre 1995 e 2001. Já a miséria rural, que tem níveis bem mais altos, caiu em todos os anos desde 1992, e hoje está em 47,67%. A miséria urbana (exclui as regiões metropolitanas) caiu de um pico de 32,99% em 1993 para 22,94% em 2004.